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Quantas Séries Fazer Para Ganhar Massa Muscular (parte 3)

  • Foto do escritor: Blog Prof. Wellington Lunz
    Blog Prof. Wellington Lunz
  • 9 de fev. de 2022
  • 6 min de leitura

Atualizado: 26 de nov.

Resumo: neste post eu analiso criticamente dois estudos frequentemente citados para sustentar que mais de 30 séries semanais gerariam mais hipertrofia. Mostro que nenhum deles apresentou diferenças significativas de hipertrofia com mais de 18–27 séries, indicando um platô de hipertrofia. Ambos têm várias limitações metodológicas que devem ser consideradas: amostras pequenas, falhas na randomização, uso de instrumento com elevado erro técnico, entre outros.


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Prof. Dr. Wellington Lunz - Universidade Federal do Espírito Santo 


Esse post é a continuação da fundamentação científica relacionada ao ‘número ideal de séries’ para hipertrofia ou massa muscular. Se você não leu as duas primeiras partes, elas estão aqui e aqui.

Há dois artigos que são muitos citados no sentido de afirmar que fazer mais que 30 séries por semana seria melhor para aumentar massa muscular (hipertrofia) que fazer menos, especificamente para pessoas já avançadas em treinamento de força.

Os dois estudos que me refiro são: Schoenfeld et al. (2018) e Brigato et al. (2019). Vamos a eles:

O estudo de Schoenfeld et al. (2018) teve duração de 8 semanas, envolvendo pessoas com média de 4 anos experiência em TF.

Os autores compararam '6-9', ou '18-27' ou '30-45' séries/semana. Usaram ultrassom para medir espessura muscular. A propósito, sobre as melhores estratégias para medir hipertrofia, recomendo que leia meu post Como Medir Massa Muscular? Há jeito fácil e confiável.

Os ganhos de resistência de força e força máxima foram iguais para esses grupos, apesar da grande diferença de séries.

Para hipertrofia muscular, houve tendência de ser melhor para o grupo com mais de 18 séries/semana (exceto para o tríceps), mas sem diferença estatística entre os grupos '18-27' e '30-45' séries.

O estudo de Brigato et al. (2019) comparou 16, 24 e 32 séries/semana. O protocolo foi de 8 semanas, envolvendo pessoas com ~3,3 anos de experiência.

Também usaram ultrassom para medir espessura muscular. Todos os grupos tiveram bons ganhos de força máxima, sendo levemente melhor para 32 séries.

O volume muscular do tríceps e vasto lateral foram maiores para ‘32 séries’ comparado a '16 séries’, mas sem diferença para bíceps. E também não houve diferença entre 32 vs. 24 séries, sugerindo um platô após 24 séries.

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Além de não existir razão para esses estudos serem citados como "prova" de que mais de 30 séries seria a melhor estratégia para hipertrofia, vejo vários problemas nesses dois artigos.

Vou apresentar inicialmente as limitações do estudo de Schoenfeld et al (2019):

1) Usaram uma estatística incomum. Aliás, nunca vi o Brad Schoenfeld (autor bem conhecido na área) usar essa mesma estatística em estudo anterior. Eu questionaria se é a estatística que descreveram no projeto. Infelizmente só saberíamos se o projeto tivesse sido registrado em plataforma pública... E isso não parece ter ocorrido.

Aliás, ainda em 2019, o pesquisador Canadense Eliran Mizelman escreveu uma carta ao editor (aqui) dizendo que o cálculo amostral desse estudo não condiz com a realidade.

Schoenfeld et al. dizem no artigo que o cálculo amostral indicou 36 pessoas para um poder estatístico de 0,80, mas, segundo Mizelman, o cálculo precisaria de 158 pessoas.

Mas, independente disso, sei que quando apliquei uma estatística convencional ou esperada (ex: ANOVA), eu NÃO encontrei NENHUMA diferença entre os grupos.

2) Houve grande perda amostral: De 45 participantes, 11 saíram do estudo. E algo que preocupa muito MAIS: Os autores excluíram 6 medidas de ultrassom porque, segundo eles, não conseguiram boa imagem.

Eu nunca tinha visto isso! Ultrassom é indolor, fácil de usar e livre de perigos. Normalmente faz até conseguir boa imagem. Quem já fez ultrassom com um especialista, sabe que não leva mais que alguns segundos para pegar uma boa imagem.

Se o avaliador do estudo não conseguiu boas imagens, então devemos questionar se o avaliador era competente! E as medidas de ultrassom que foram feitas, daria para confiar?

Essas "perdas" são metodologicamente RUINS, pois pode enviesar a média. De fato, o coeficiente de variação pós-treino foi menor que o pré-treino (coisa que não poderia ocorrer!), sugerindo que os grupos ficaram mais homogêneos depois do treinamento.

3) O resultado pós treino de hipertrofia do reto femoral e do vasto lateral, que é onde os autores citam ter havido as maiores diferenças, é praticamente igual entre os 3 grupos.

Entretanto, o grupo ‘30-45 séries’ começou o protocolo com menor hipertrofia, e por isso teve um delta de ganho maior. Lembre do post 2: 'pessoas menos treinadas são mais treináveis'.

Estranho essa diferença inicial, pois os autores dizem que randomizaram os participantes! E o grupo de ‘30-45 séries’, de modo geral, foi o mais homogêneo (menor variação) para medidas de hipertrofia (esquisito também). Muito improvável para grupos ‘randomizados’.

4) Usaram ultrassom para medir espessura. O erro técnico de medida do ultrassom, com o protocolo que usaram, tem ficado entre 3% a 7%, que é uma magnitude igual ou maior que a maioria dos resultados que eles encontraram.

Se o erro técnico da medida fosse considerado, os resultados deveriam ser declarados como triviais ou INCONCLUSIVOS (recomendo leitura de Pereira et al., 2021; aliás, está em português). Também explico detalhadamente isso no meu livro.

5) O fato de não terem encontrado diferença para força entre ‘6-9 séries’ vs. ‘30-45 séries’ permite questionar se esse último grupo não estava em overreaching. Poderiam ter estimado pelo menos a ‘retenção hídrica’, usando o próprio ultrassom, para eliminar a possibilidade dessa hipertrofia ser explicada por ‘água’.

São, portanto, limitações que aumentam muito o grau de incerteza sobre os resultados. Agora vamos às limitações do estudo de Brigato et al. (2019):

1) Também usaram ultrassom. E, usaram o ‘ultrassom modo A’, que gera erros de medida maiores que o ‘modo B’ (indico o artigo de Kasper et al., 2021 para compreensão dessa limitação ou meu outro post).

E os ganhos induzidos pelo treinamento de força também ficaram quase sempre abaixo do erro técnico do ultrassom.

Vejo isso com muito receio, principalmente considerando um estudo de curta duração, cuja retenção hídrica (veja esse outro post meu, sobre hipertrofia aguda) poderia gerar falso positivo para hipertrofia estrutural. Considero os resultados como INCONCLUSIVOS.

2) Os autores citam que os participantes foram randomizados, mas o grupo que treinou 16 séries/semana tinha ~1,57 vezes mais experiência em treinamento de força (4,33 vs. ~2,75 dos outros 2 grupos). E teve um coeficiente de variação muiiiito maior que os outros dois grupos. Isso é muito improvável numa randomização bem feita.

3) E antes de começar o experimento, os participantes do grupo ‘16 séries’ já treinavam com mais de 16 séries. Antes do experimento, esse grupo também fazia mais séries que os outros dois grupos (novamente algo estranho).

E é INTERESSANTE dizer que “apesar de” terem treinado com menos séries do que já faziam, eles tiveram ganhos de 16% a 28% de força.

4) Embora alguns resultados inconsistentes (ex: maior hipertrofia para tríceps, mas não para o bíceps) não sejam impossíveis, no mínimo gera o seguinte questionamento: não seria um resultado casual? Gerado, por exemplo, por erro técnico de medida?

E além de todas essas limitações, ainda deixei de citar vários outros problemas que não são exclusivos desses 2 artigos, como: “Não há cegagem dos participantes, avaliadores e estatístico”; “Protocolo curto”; “Não confirmam a ausência de drogas”; “Não há controle refinado da dieta”.

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E se você quiser ver o uso prático, passo a passo, da aplicação do meu livro, acesse o post: Polilaminina: NÃO há Evidência de Cura de Paraplégicos ou Tetraplégicos.

E, para mais posts, acesse https://www.wellingtonlunz.com.br/blog. Você também pode se inscrever na Newsletter para receber novos posts.

 Até o próximo post!



Prof Wellington Lunz

Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. É Professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) desde 2009. 


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