Dá Para Perder 16% de gordura em 8 semanas sem restrição calórica?
- Blog Prof. Wellington Lunz

- 14 de mar. de 2022
- 5 min de leitura
Atualizado: 28 de nov.
Resumo: um estudo relatou redução de 16% de gordura em 8 semanas, sem déficit calórico — só concentrando 3.000 kcal em 8h, e jejuando 16h. Isso em pessoas já magras e treinadas. Parece mágica. Mas toda mágica é um sensacional TRUQUE! Desconfiei ainda mais ao ver um coautor com histórico de muitas retratações científicas. Outros estudos tentaram replicar e não conseguiram (Tinsley et al., 2017; 2019). Apresento para você como provavelmente esse truque é feito.

Prof. Dr. Wellington Lunz - Universidade Federal do Espírito Santo
Eu vi num desses perfis de rede social que opta por resultados ‘SENSACIONAIS’ para atrair seguidores, um artigo (esse: Moro et al., 2016) que mostrou o seguinte:
>> 16,4% de redução de gordura corporal em 8 semanas!
Muito né!? Mas você ainda não viu nada... conseguiram isso SEM DIMINUIR a ingestão calórica.
O que os autores fizeram foi apenas concentrar a ingestão de 3.000 kcal em 8h, e no restante do tempo os participantes ficavam em jejum (16h de jejum). INACREDITÁVEL, né!?
Mas não acabou! O ceticismo aumenta ainda mais quando dizem que eram participantes que faziam treinamento de força com um já baixo percentual de gordura (~11%). E essas pessoas continuaram treinando (musculação) durante o estudo.
E para reforçar o aparente IMPOSSÍVEL, isso aconteceu no grupo jejum de 16h, mas não no grupo jejum de 12h (grupo controle, cuja ingestão e treinamento eram os mesmos).
O que explicaria um negócio desses? Quem (ou o quê) acendeu a fornalha orgânica para transformar tudo isso em calor?
Fiquei, claro, pasmo e curioso para ler o estudo. Mas quando vi entre os co-autores um ‘autointitulado super pesquisador’ brasileiro com pelo menos 9 artigos retratados (descredenciados pelas revistas por fortes suspeitas de fraude), quase desisti da leitura.
Mas, como ele não era ele o aparente orientador do trabalho, respirei fundo e lí assim mesmo.
Vamos entender: os autores fizeram o chamado ‘time-restricted feeding’, que significa concentrar todas as calorias numa janela curta de tempo, e depois os participantes ficavam em jejum pelo resto do dia.
Um grupo consumia 3.000 Kcal entre 13h e 20h (seguido por 16h de jejum), e o outro grupo 3.000 Kcal durante 12h (seguido por 12h de jejum). Os macronutrientes foram similares entre os grupos.
E nessas 8 semanas de estudo, ambos os grupos fizeram o mesmo treinamento de força. Há também vários resultados metabólicos “SENSACIONAIS”, mas esse resultado da redução de GORDURA é demais para mim!
O resultado é INACREDITÁVEL porque nem mesmo ingestão calórica tão baixa quanto 500 kcal abaixo da taxa metabólica de repouso, durante 6 MESES, tem conseguido esse resultado (Campos-Nonato et al., 2017). Detalhe: em pessoas obesas, cuja perda de gordura é mais fácil.
O artigo não tem problemas de ‘descrição metodológica’. Diante desse cenário, ou seja, resultado atípico, mas com boa descrição metodológica, o ideal é ver se alguém conseguiu reproduzir o estudo. E aí vejam que intrigante:
O mesmo último co-autor desse estudo (A. Paoli), que quase sempre é o mentor/orientador do trabalho, participou de outros dois artigos posteriores com delineamentos similares, mas como colaborador. E, curiosamente, passaram longe de encontrar esse mesmo resultado.
Em um dos artigos (Tinsley et al., 2017), com time-restricted feeding de 4h, e também com 8 semanas de duração, não houve diminuição de gordura significativa. E o grupo teve ingestão ~650 kcal menor que do grupo com ingestão padrão.
O outro estudo, um delineamento similar, mas com amostra feminina, teve apenas 2% ou 3% de redução de gordura (Tinsley et al., 2019).
O que explicaria esses 16% de redução de gordura em apenas 8 semanas, em pessoas com já baixa quantidade de gordura?
Minhas hipóteses são:
(1) Os participantes mentiram. Ou seja, comeram muito menos do que relataram aos pesquisadores; ou...
(2) Um (ou mais) dos colaboradores do artigo mentiu (não dá para acusar todo mundo, embora é um resultado muito atípico... deveria chamar atenção de todos os colaboradores), manipulou ou enviesou em alguma fase do estudo.
Até há outra coisa que poderia, em parte, explicar: o grupo de 16h jejum teve ingestão média de ~175 kcal menor que do grupo 12h. Em 8 semanas isso daria ~10.500 kcal de diferença. E, caso a perda fosse exclusivamente de gordura, isso daria um pouco mais de 1 kg de perda de massa gorda.
Mesmo assim, esse valor é 38% menor que a média de redução de massa gorda citada no estudo. Ou seja, mesmo com o Universo conspirando a favor, não explicaria tudo.
E lembremos que perda de massa gorda não se encaixa em um modelo tão simplista assim, como destaquei num post intitulado O Que EMAGRECE é o Músculo, Estúpido!
Os autores também não apresentaram os resultados individuais dos participantes, o que impede de avaliar se todos os participantes do grupo 16h de jejum tiveram comportamento igual. Ou seja, todos perderam 16% de gordura?
Na verdade, eu, como compreendo bem de método científico e estatística científica, apenas olhando para a variação dos dados já sei que teve gente que ganhou massa gorda e gente que perdeu.
Não mostrar os resultados individuais tem sido uma estratégia comum para não revelar coisas relevantes ao leitor menos habituado ao mundo científico. Em resumo, veja o que esse artigo nos ensina:
Desconfie de resultados atípicos e com 'lógica fraturada'. Nesse caso, espere um tempo para ver se o resultado será reproduzido por grupos de pesquisas independentes dos autores.
Aqui eu só citei do mesmo autor, porque os resultados contradizem resultados anteriores do próprio autor. Normalmente não é o que acontece!
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Até o próximo post!

Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) desde 2009.





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