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Pré-Treino vs. Hipertrofia: A Nova Invenção Da Indústria

  • Foto do escritor: Blog Prof. Wellington Lunz
    Blog Prof. Wellington Lunz
  • 28 de out.
  • 9 min de leitura

Atualizado: 1 de nov.

Resumo: suplementos pré-treino para hipertrofia muscular são mais uma invenção da indústria bilionária dos suplementos. Nesse post, apresento as origens e os equívocos atuais de interpretação sobre os chamados 'pré-treino' (e pós-treino também). E fundamento cientificamente minha afirmação de que se trata de mais uma invenção comercial.



pré treino massa muscular wellington lunz

Prof. Dr. Wellington Lunz

Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)


Até o início do século 20, os pelos nas axilas e pernas de mulheres não recebiam julgamentos estéticos.

Foi quando a empresa Gillette, que dominava o mercado de lâminas de barbear (tipicamente masculino), resolveu produzir uma nova necessidade, com potencial de dobrar seu faturamento:

Em 1915, lançou o “Gillette Milady Décolleté”: primeiro aparelho de depilar exclusivo para mulheres.

Gillette Milady Décolleté primeiro aparelho feminino depilar

Investiu fortemente numa campanha publicitária, onde veiculava anúncios com o seguinte propósito: ‘mulheres modernas devem ter pele impecavelmente lisa’.

Associavam a depilação à elegância, feminilidade e até à higiene. Na década de 1940, o marketing se estendeu para as pernas das mulheres.

Essa ‘necessidade inventada’ é um sucesso para as receitas da empresa até hoje. 

Com o cigarro, foi o mesmo. A indústria do cigarro cooptou inclusive muitos médicos e cientistas.

cigarros e médicos década 1950

Algo obviamente muito pior que a história da Gillette, pois, os cigarros, abreviaram (e continuam abreviando) a vida de milhões de pessoas.

E não faltam exemplos de invenções do capitalismo industrial na nossa história.

Agora, no contexto da hipertrofia muscular, vejamos o caso dos suplementos ou qualquer outra coisa ingerida como ‘Pré-Treino’.

Contextualizando: antes dessa invenção do 'Pré-Treino', a suplementação 'Pós-Treino' já era bastante difundida. E vamos entender o porquê:

Em 1997, Phillips et al. publicaram um estudo que veio a se tornar um clássico.

Resumidamente, mostraram que o pico de síntese proteica muscular ocorria 3h após uma sessão de exercício de força.

Esse estudo é um marco, porque mostrou que o exercício contrarresistência por si só (os participantes estavam em jejum) sensibilizava as vias anabólicas. E o pico ocorria 3h pós exercício.

Veja abaixo a figura clássica do artigo. Mas frequentemente os livros apresentam apenas a 'parte A' da figura, que representa a taxa de síntese.

Mas repare que a 'parte B' da figura, que mostra a taxa de proteólise, é quase espelho da taxa de síntese:

taxa de síntese e proteólise pós exercício wellington lunz stuart phillips 1997

De fato, a correlação entre síntese e proteólise foi de r = 0,88 (forte correlação). A taxa de proteólise superou a síntese. Mas, entre todos os tempos considerados, a melhor taxa líquida de síntese ainda foi no tempo de 3h.

Outros estudos do mesmo grupo, liderados pelo Dr. Robert R. Wolfe, mostraram que a administração de aminoácidos imediatamente após uma sessão de exercício de força aumentava ainda mais a síntese de proteínas.

Num dos clássicos estudos (Tipton et al., 1999), eles administraram aminoácidos imediatamente após uma sessão de treino, e fizeram medidas de síntese proteica em 1h e 2h pós-ingestão. E confirmaram maior síntese no grupo com administração de aminoácidos. 

É muito provável que a propagação de que a ingestão proteica deveria ocorrer já nas primeiras horas Pós-Treino tenha vindo desses estudos. Alguns passaram a chamar isso de ‘Janela de Oportunidade Anabólica’.

Já em 2001, o mesmo grupo (Tipton et al.) mostrou que a síntese de proteína muscular após ingestão de 'aminoácidos+carboidrato' foi maior em quem recebeu suplementação antes (Pré-Treino), em comparação a depois (Pós-Treino) da sessão de treino.

Provavelmente a ideia de consumo Pré-Treino para hipertrofia muscular tenha vindo disso.

E, creio, apesar de coisas diferentes, essa ideia possa ter sido fortalecida (ou se aproveitaram disso) com o fato de que alguns estimulantes, em especial a cafeína, pode aumentar o desempenho de força quando administrada no pré-desempenho.

Mas, desempenho de força e hipertrofia são coisas diferentes.

A suplementação Pós-Treino e Pré-Treino começou com proteínas ou aminoácidos. Mas, hoje, essa suplementação, em especial a Pré-Treino, se tornou multi-ingredientes.

Vale destacar que os estudos sobre síntese de proteínas mostravam que a síntese continuava elevada por dias. Coisa que pouca gente fala.

Inclusive, posteriormente, viu-se que o pico de síntese para destreinados ocorre várias horas depois da sessão de treino (Burd et al., 2008).

Seja como for, quem propôs a ideia de ‘Pré-Treino para Hipertrofia’, mesmo que tenha se fixado apenas às proteínas, ancorou-se em evidência indireta, pois síntese de proteína não é hipertrofia.

Os estudos com síntese de proteínas são muito sofisticados (usam isótopos marcados), mas não são evidência direta para hipertrofia muscular.

Isso porque hipertrofia não depende só da taxa de síntese, mas também da taxa de proteólise.

Além disso, nem toda síntese proteica é dirigida para hipertrofia. Se assim fosse, todo maratonista teria pernas de fisiculturista.

Ou seja, inferir hipertrofia a partir de síntese de proteínas produz uma premissa muito frágil.

De fato, estudo com intervenção crônica de treinamento contrarresistência (16 semanas) não encontrou correlação significativa entre a taxa aguda de síntese proteica e hipertrofia muscular (Mayhew et al., 2009).

O próprio Stuart Phillips liderou um estudo um estudo de intervenção por 16 semanas, e também não encontrou correlação significativa entre a taxa aguda (1 a 6 h) de síntese proteica e o grau de hipertrofia muscular (Mitchel et al., 2014).

Aliás, uma metanálise publicada em 2013 (Schoenfeld et al.) também não encontrou associação entre o momento da ingestão proteica e hipertrofia.

Eles até encontraram associação entre ingestão de proteínas e hipertrofia, mas independente do tempo. Ou seja: pode-se consumir proteínas em qualquer momento.

Não tem essa de ser no Pré-Treino ou Pós-Treino imediato. Parece que a ‘janela de oportunidade’ virou uma espécie de ‘porteira’.

Aproveitando, compartilho meu novo livro, que é exatamente para quem deseja compreender bem o que são evidência direta e evidência indireta, e nível de evidência e força de recomendação elevados. Eis o link:

Como a maioria das pessoas aceita bem qualquer hipótese que se alinhe ao viés de confirmação, primeiro virou febre a história do ‘Pós-Treino’, e, depois, do 'Pré-Treino'.

E, como disse, inicialmente, por questão contextual, estava associada somente à ingestão de proteínas. Mas a indústria quer tomar seu dinheiro antes, durante ou depois do treino! E daí vieram um monte de tolices.

Aproveite para depois ler meus posts:

Não costumo escrever muito sobre suplementação, porque não tenho mais muito estômago e nem muito tempo a perder. Mas esses posts acima são alguns que escrevi aqui no Blog. Mas, continuando...

Então, podemos agora até imaginar como devem ter sido as reuniões dos empresários de suplementos para criar uma nova necessidade, e assim aumentar o faturamento.

Alguém, e basta ser mais ganancioso do que inteligente, deve ter compartilhado a seguinte ideia:

E se a gente inventasse um suplemento pré-treino para hipertrofia? Poderíamos dobrar nossa receita.

De repente, outro aperfeiçoa a ideia:

Melhor ainda, podemos inventar vários tipos de pré-treino! Vários ingredientes. Podemos muito mais que dobrar nossa receita.

Sucesso!!!

Dei uma boa buscada na literatura científica para ver se tinha algo de novo, e para entender os eventuais argumentos em favor do 'Pré-Treino'.

E deixo claro que estou me referindo exclusivamente à hipertrofia muscular, pois não tenho tempo de estudar tudo. Vejamos alguns argumentos possíveis:

(1)     Alguns estudos evidenciam que ‘Pré-Treino’ aumenta o desempenho físico. E isso aumenta o volume de treino ou a capacidade de treinar com mais intensidade.

A falha de pensamento aqui é a de querer produzir uma premisa a partir de evidência indireta. Erro lógico. Novamente indico meu livro.

Mas, ainda que eventualmente esse aumento do desempenho ocorra, seja por efeito real ou placebo (Aguiar et al., 2024), aumentar o volume ou intensidade não significa maiores ganhos de massa muscular.

A relação entre ganho de massa muscular vs. volume e intensidade NÃO é linear.

Há uma dose ótima de volume para hipertrofia, e é bem menor do que a maioria pensa. Recomendo meus posts:

Nunca vi alguém fora do ambiente hospitalar precisando de suplemento Pré-Treino para alcançar esse volume ótimo.

E se alguém estiver hospitalizado, não é Pré-Treino que resolverá.

Para intensidade, idem. Se mais intensidade fosse melhor para induzir hipertrofia, treinar com carga máxima geraria o máximo de hipertrofia. O que não é verdade.

Aliás, não faltam estudos evidenciando que treinar com alta carga (ex: 3 a 8 reps máximas) ou baixa carga (ex: 25 a 30 reps máximas) gera ganhos similares de massa muscular. Quem quiser ler, envio uma dezena de artigos.

E para situações em que aumentar o desempenho seja o objetivo, não vejo (por ora) razão para multi-ingredientes (ex: beta-alanina + L-citrulina malato + arginina alfa-cetoglutarao + L-taurina + L-tirosina + cafeína) se a cafeína sozinha gera resultado igual ou superior (Kruszewski et al., 2022).

E também percebi que estudos bem desenhados (randomizado, controlado e duplo cego) tendem a não achar diferença (Puente-Fernández et al., 2025) para a maioria dos desempenhos testados (Douligeris et al., 2024).

(2) Alguns estudos sugerem que suplementos multi-ingredientes como Pré-Treino podem, no longo prazo, aumentar a massa livre de gordura.

Novamente: não sendo evidência direta (massa livre de gordura não é só músculo), a premissa é frágil.

E o mais intrigante: se o ganho é no longo prazo, porque a ingestão precisa ser no Pré-Treino?

Não há lógica nisso. Além disso, praticamente todo estudo que mostra algum benefício nesse longo prazo tem a ver com o consumo de proteínas ou aminoácidos.

E proteínas podem ser consumidas em qualquer refeição do dia, ou divididas em várias refeições. Não precisa ser no Pré-Treino.

Acho que esses são os dois argumentos que mereciam alguma consideração.

Alguns podem dizer algo como: ‘Ahh, mas tem um estudo ‘tal’ que mostrou um dado benefício’.

Para cada estudo desses, posso mostrar o dobro de estudos que não viram qualquer benefício. Fora a qualidade reprovável de vários estudos.

Alguns estudos falam de multi-ingredientes, mas juntam tudo com proteínas. E aí o resultado muito provavelmente é pelo consumo das proteínas, e não pelos demais ingredientes.

Você conhece aquela história do comprimido (remédio) para matar sede?

'Basta consumir o comprimido (qualquer um) com um copo de água, que matará a sede'.

E, até então, nem estou considerando o tanto de estudos associando (Nota: associação não significa causa) suplementos Pré-Treino e riscos à saúde ou outras coisas que preocupam, como:

- Pancreatite (Ridha et al., 2023).

- Isquemia de demanda (Guerra et al., 2023).

- Acidente vascular cerebral hemorrágico (Amatto et al., 2021) e isquêmico (Sinha et al., 2024).

- Lesões hepáticas e renais (Ordway et al., 2023; Altaf et al., 2024).

- Dores no peito, palpitações, síncope, tontura, doença cardíaca isquêmica, arritmias cardíacas e doença cerebrovascular (Jonge et al., 2023).

- Substâncias proibidas (Jędrejko et al., 2023), que, além do risco à saúde, podem acusar doping em atletas (Lauritzen, 2022).

- Outras fraudes (Martínez-Sanz et al., 2021).

- Insônia, tremores, dor de cabeça, coceira e ardência (Pilegaard et al., 2022).

- Conflito de interesses (Editorial: Pre-workout nutrition).

Enfim, sei que para navegar corretamente neste cenário complexo e superar visões fragmentadas e, as vezes, mal intencionadas, é imperativo que profissionais e estudantes da área da saúde se emancipem no julgamento de estudos científicos.

Livro Tomada de Decisão Baseada em Evidência
Benefícios: (1) Maior autonomia e competência no julgamento da evidência científica; (2) Maior segurança nas decisões pessoais e profissionais; (3) Maior poder contributivo para equipes multidisciplinares; (4) Maior valorização dos pares, clientes e pacientes. Prof. Dr. Wellington Lunz

O livro oferece um sistema estruturado e didático, com:

Modelo de Julgamento Objetivo: um sistema de notas (0 a 100%) em paralelo a um sistema qualitativo (muito baixo, baixo, moderado, alto e muito alto), que permite julgar a qualidade da evidência objetivamente, mitigando a subjetividade, sem a eliminar os aspectos subjetivos necessários.

Separação Estruturada: o livro oferece um framework claro para avaliar o Nível de Evidência com base em 13 quesitos metodológicos, e o Grau de Recomendação com base em 9 quesitos formais.

Ferramenta Prática (Checklist/Planilha): O conteúdo está associado a uma planilha que orienta no julgamento da qualidade da evidência e na força da recomendação (ainda serve como checklist).

E se quiser ver o uso prático, passo a passo, da aplicação do meu livro, acesse o post: Polilaminina: NÃO há Evidência de Cura de Paraplégicos ou Tetraplégicos

Por último, para concluir esse post: penso que o melhor pré-treino seja uma boa dose de conhecimento e compreensão histórica, sociológica, filosófica e científica.

Então é isso, amiga e amigo... Obrigado por ler até aqui. E se você gostou, compartilhe com colegas e amigos/as ou em suas redes sociais. Meus posts são feitos exclusivamente das minhas leituras, práticas e interpretações ao longo da minha trajetória.

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E se quiser citar esse post, pode ser assim:

Lunz, W. Pré-Treino vs. Hipertrofia: A Nova Invenção Da Indústria. Ano: 2025. Link: https://www.wellingtonlunz.com.br/post/pre-treino-e-hipertrofia [Acessado em __.__.____].







professor wellington lunz

Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Tem se dedicado em transmitir conhecimentos baseados em evidências em diferentes áreas do conhecimento (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site ou e-mail: welunz@gmail.com.br  





4 comentários

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eduardo_valandro
há 7 dias

Muito bom professor, coincidentemente essa semana estava procurando ler sobre síntese proteica e hipertrofia, esse post já mudou minha forma de pensar.

Abraços

Paulo Valandro

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Blog Prof. Wellington Lunz
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há 6 dias
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Valeu Paulo 👊

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Divo Zaniqueli
Divo Zaniqueli
28 de out.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Fantástico resumo. Essa frase é pra nunca esquecer: "síntese proteica não é hipertrofia".

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Blog Prof. Wellington Lunz
28 de out.
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Valeu meu amigo! O não ensinamento nos cursos superiores da diferença entre evidência direta e evidência indireta tem produzido muitos erros de interpretação. Um influencer desinformado, com centenas de milhares ou milhões de seguidores, pode produzir tragédias.

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