Rabdomiólise Pode Matar! Aprenda a se Proteger
- Blog Prof. Wellington Lunz

- 26 de nov.
- 6 min de leitura
Atualizado: há 5 dias
Resumo: a rabdomiólise pode matar ou causar insuficiência renal grave. É causada pela destruição aguda do músculo, que libera mioglobina e outros conteúdos celulares, podendo causar lesão renal por toxicidade direta, vasoconstrição e obstrução tubular. O risco é maior em exercícios com alto volume e intensidade submáxima, principalmente em destreinados ou retornando após uma pausa. Calor excessivo e descanso insuficiente também aumentam o risco. Esse post ainda ensina como voltar ao treinamento de forma segura, como identificar e o que fazer diante da suspeita de rabdomiólise.

Prof. Dr. Wellington Lunz - Universidade Federal do Espírito Santo
Estava revendo um post que fiz sobre a síndrome do overtraining (aqui; vale a pena a leitura!), e me dei conta de que há algo muito mais perigoso rondando aqueles que praticam treinamento físico: rabdomiólise.
Apesar do overtraining ser um “fantasma” para os atletas, ele não costuma matar... mas a rabdomiólise, sim, pode matar ou causar insuficiência renal irreversível.
Então, vale a pena destacar como o treinamento físico pode causar rabdomiólise, porque isso ajudará você a entender como se proteger.
Mas, antes, rapidamente: o que é a rabdomiólise?
A rabdomiólise é uma síndrome resultante da lesão aguda do tecido muscular esquelético, em virtude do rompimento das fibras musculares e consequente liberação do conteúdo intracelular (creatina quinase, mioglobina, potássio, fósforo, enzimas) para a circulação sanguínea.
Essa liberação pode causar manifestações locais (dor, edema, fraqueza) e sistêmicas potencialmente graves.
A lesão renal aguda é a complicação mais temida. A mioglobina, que é uma proteína grande, e outros subprodutos da degradação muscular, provocam dano tubular, vasoconstrição renal e obstrução intratubular, levando à insuficiência renal.
A mioglobina causa lesão renal pelas seguintes razões:
(1) toxidade direta: seu grupo heme (contém ferro) gera radicais livres, que destroem as células tubulares.
(2) Vasoconstrição: eleva à produção de endotelina-1, que é um dos mais potentes vasoconstritores. Com isso, as arteríolas renais se contraem, diminuindo o fluxo sanguíneo e agravando a lesão renal.
(3) Obstrução tubular: ela precipita com outras proteínas, formando cilindros pigmentares que obstruem o fluxo urinário.
Além de lesão renal aguda, podem ocorrer distúrbios eletrolíticos potencialmente fatais, decorrentes da hiperpotassemia (causa arritmias cardíacas), hipocalcemia (tardia) e alterações sódicas.
Pode ocorrer ainda síndrome compartimental (com necessidade de cirurgia), coagulopatia, choque hipovolêmico ou insuficiência multiorgânica.
Lí um estudo tempos atrás dizendo que a prevalência de morte por rabdomiólise pode chegar a 10%. Algo muito preocupante!
A rabdomiólise não é causada só por exercício físico, mas também por trauma direto (esmagamento, acidentes), crises convulsivas, isquemia tecidual (compressão prolongada), alguns fármacos e tóxicos (álcool, cocaína e algumas drogas antipsicóticas), infecções graves, entre outros.
Em 2019, o National Collegiate Athletic Association (NCAA) e o Collegiate Strength and Conditioning Coaches Association (CSCCa) fizeram um guia para retorno seguro ao treinamento físico (Caterisano et al., 2019).
E esse guia destaca os tipos de exercícios (ou sessões de treino) mais associados a rabdomiólise.
O guia diz que todos os estudos envolvendo exercício físico de força (que é minha especialidade) e rabdomiólise compartilham as seguintes características:
(1) São pessoas realizando alto volume de exercícios de força submáximo (ex: usando peso corporal, como no caso do apoio, barra fixa, etc.) até a fadiga e/ou num período de tempo limitado, típico de tarefas contrarrelógio (muito comum em atletas e militares).
Há algo muito importante aqui: não são necessariamente atividades muito intensas, pois geralmente envolve cargas submáximas. O que preocupa mais é o volume e a "pressa" para cumprir a tarefa (atividades contrarrelógio).
(2) A maioria dos casos ocorre quando a pessoa é exposta a um novo regime de exercícios, ou quando retorna de um período de destreinamento.
Ponderações importantes aqui: sedentários correm mais risco, porque não estão habituados ao regime de treino.
Mas outro problema são pessoas experientes que, após um tempo parado (ex: férias, lesão), voltam ao treino querendo recuperar o "tempo perdido" numa única sessão de treino. É preciso retornar com volume mais baixo de treino. Como, então?
Caterisano et al. (2019) propõem que se recomece com 50% do volume de treino habitual na primeira semana. Na segunda semana, 30% do volume de treino habitual. Nas duas semanas seguintes, 20% e 10%, respectivamente. E voltar ao volume normal de treino somente na quinta semana.
Essa proposta deles não tem uma base científica sólida, mas certamente funcionará, porque é bastante prudente.
(3) Muitos casos ocorrem em condições ambientais quentes.
Ou seja, a climatização é muito importante. Principalmente para o caso de pessoas sedentárias ou voltando aos treinos após um tempo parado, evite ambientes quentes.
(4) Muitos casos ocorrem quando o descanso é insuficiente (ex: menor que 24h).
A recuperação incompleta é algo que muito me preocupa, e enfatizei isso no post Síndrome do Overtraining ou 'Síndrome da Recuperação Incompleta'?. Isso porque muita gente acha que o estímulo (o treino) é a única coisa importante no treinamento.
Caterisano et al. (2019) propõem que, no retorno ao treino, a relação 'Trabalho:Repouso' seja de 1:4. Ou seja, uma sessão de treino seguida de 4 dias de descanso.
Eu também já escrevi alguns posts ensinando aos meus leitores a identificarem os marcadores que devem ser considerados para saber se já estão recuperados para um novo estímulo. Esses posts você encontrará no seguinte post introdutório: Aprenda a Identificar o Momento Certo de Treinar Novamente.
Outro conselho importante que dou aos meus e minhas estudantes, inclusive para poderem ajudar clientes, parentes ou amigos/as, é o seguinte:
Após horas ou alguns dias do treino, fique atento principalmente à cor da urina. Se ela estiver com tom avermelhado ou amarronzado, é sugestivo de mioglobinúria (mioglobina em excesso na urina).
Nesse caso, corra para um pronto-socorro, explicando que, além das dores, está com a cor da urina alterada (avermelhada ou amarronzada), e que isso aconteceu após algumas horas ou dias de um treino físico.
Diga que suspeita de rabdomiólise e solicite medida da creatina quinase, pois é como o diagnóstico costuma ser confirmado. Há médicos/as que podem achar que é outra coisa, por isso a importância de você ajudar com tais informações.
E aproveito para divulgar meu livro Tomada de Decisão Baseada em Evidência: como julgar o nível de confiança e o grau de recomendação de artigos científicos na área das ciências da saúde.
Em tempos de desinformação massiva e de tantos falsos experts, distinguir evidências reais das falsas é tanto emancipador quanto vital. Esse livro ensina a julgar a qualidade da evidência e a força da recomendação de qualquer artigo científico da área da saúde.
O livro oferece um sistema estruturado e didático, com:

Modelo de Julgamento: um sistema quantitativo de notas (0 a 100%) em paralelo a um sistema qualitativo (muito baixo, baixo, moderado, alto e muito alto).
Separação Estruturada: um framework claro para avaliar o nível de evidência com base em 13 quesitos metodológicos, e o grau de recomendação com base em 9 quesitos formais.
Ferramenta Prática (Checklist/Planilha): O conteúdo está associado a uma planilha gratuita que orienta no julgamento da qualidade da evidência e na força da recomendação (e ainda serve como checklist).
Script para Inteligência Artificial: fiz um script para a IA ChatGPT poder julgar o nível de evidência e o grau de recomendação. Embora a IA não deva substituir o julgamento humano final, ela facilita a compreensão e diminui a chance de erro humano, pois o script foi projetada para que a IA explique a razão das notas dadas a cada quesito.
E se você quiser ver o uso prático, passo a passo, da aplicação do meu livro, acesse o post: Polilaminina: NÃO há Evidência de Cura de Paraplégicos ou Tetraplégicos.
E para mais posts, acesse https://www.wellingtonlunz.com.br/blog. Você também pode se inscrever na Newsletter para receber novos posts.
Até o próximo post!

Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. É Professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) desde 2009.




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