Como Treinar em Casa? Com o Que Devo me Preocupar? [Parte 2]
- Blog Prof. Wellington Lunz

- 23 de fev. de 2021
- 6 min de leitura
Atualizado: há 3 dias
Resumo: treinos caseiros guiados por influenciadores de redes sociais costumam ignorar princípios básicos de segurança. Essa é a segunda parte do meu post, e aqui destaco as questões que quem treina em casa precisa se certificar para evitar desfechos indesejados (incluindo o pior: a morte): (1) fatores de risco cardiovascular; (2) desvios posturais ou alterações anatômicas; (3) histórico de problemas ortopédicos e musculares; (4) competência e autonomia motora; (5) equilíbrio dos exercícios propostos.

Prof. Dr. Wellington Lunz - Universidade Federal do Espírito Santo
Na postagem anterior (Parte 1) eu ofereci uma dimensão das questões que precisam ser consideradas antes da adoção de práticas de exercícios físicos em casa, em particular quando propostas de forma massificada por influencers ou utilizando-se de aplicativos.
Pois, nesse caso, não é possível considerar a individualidade humana (física, saúde/doença, psicológica, afetiva, social, etc.) e toda complexidade que exige uma prescrição específica para cada pessoa.
A propósito, deixo a seguir especificamente um dos posts mais lidos do meu blog, que é sobre avaliação funcional de idosos: Quais os Testes para Avaliação Funcional de Idosos? Mas o esse blog tem mais de uma centena de posts.
Ainda que você acompanhe (ex: no YouTube, ou no IG) um/a profissional formado/a em educação física, se esse/a profissional for de massa (ex: vídeos para dezenas ou centenas de milhares de pessoas), obviamente que ele/ela não poderá saber suas particularidades.
Nessa segunda parte eu prometi oferecer algumas dicas, em formato mais claro e enfático, que possam permitir a você identificar melhor essas 'preocupações'.
Essas dicas servirão minimamente de checklist para você identificar o grau de necessidade de um/a ou mais profissionais para ajudá-lo/a. Então vamos lá:

(1) Certifique-se de fatores de risco cardiovascular - Além da idade, os fatores clássicos estão relacionados ao tabagismo, diabetes, obesidade, hipertensão, dislipidemia, sedentarismo, histórico familiar (ex: morte de parentes de primeiro grau por doenças associadas ao coração relativamente jovem: 50 a 60 anos).
Se você já teve infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, ou tem doença renal crônica (apenas para citar três) o risco é ainda maior.
Recomendo que acesse as diretrizes brasileiras de cardiologia (aqui) para ter uma fonte segura da forma como é calculado esse risco aqui no Brasil.
Caso tenha risco alto, considero INDISPENSÁVEL o acompanhamento profissional. Mesmo com risco moderado seria bastante prudente ter acompanhamento profissional.
O exercício físico, incluindo o treinamento de força, é espetacular para a saúde cardiovascular (veja aqui e aqui), para proteger contra mortalidade e contra a obesidade, sendo terapêutico contra a fibromialgia, mas é preciso compreender que o exercício é um tipo de estresse, que precisa ter a dose bem ajustada.
(2) Certifique-se de desvios posturais ou alterações anatômicas - hiperlordose, hipercifose, escoliose, geno valgo ou varo, retração da caixa torácica, desnivelamentos e outros desalinhamentos.
Talvez você já tenha histórico clínico em que isso foi confirmado, incluindo, talvez, a causa (ex: diferença de tamanho de membros, congênito, etc.). Caso não saiba, seria o caso de, minimamente, contratar um serviço de avaliação postural.
Mas se estiver seguro de que está tudo ok, ótimo! Embora aqui vale o registro de que mesmo que você não tenha nenhum desvio postural, a prática incorreta poderá contribuir para o surgimento de um ou outro.
(3) Certifique-se que não tenha histórico de problemas ortopédicos e musculares - já teve lesão em alguma articulação ou estrutura óssea muito importante para movimentos envolvendo muita massa corporal (ex: coluna, quadril, joelho, tornozelos... ou, ainda, se tem osteoporose)? Sente dores articulares e musculares? Tem riscos intrínsecos aumentados (ex: obesidade aumenta a chance de lesões ortopédicas)?
Caso sim, ou caso tenha dúvida sobre isso, será importante acompanhamento profissional. Novamente, se estiver seguro de que não tem ou teve qualquer problema, ótimo!
(4) Certifique-se da sua competência e autonomia motora - Se você faz movimentos com padrão motor deficitário ou se já tem perda de autonomia motora (ex: dificuldade de realizar tarefas motoras diárias comuns), é o caso de ter acompanhamento profissional.
A avaliação da competência motora também poderá ser feita por profissionais de educação física qualificados para isso. É um investimento que você fará para seu maior patrimônio: seu corpo (nós somos um corpo).
(5) Certifique-se do equilíbrio promovido pelos exercícios propostos - Supondo que você não tenha nenhuma dessas preocupações acima, e, portanto, sente-se seguro para exercitar, avalie se os exercícios escolhidos não causarão desequilíbrios no longo prazo.
Caso esteja exercitando um dado grupo muscular (ou grupos musculares) sob orientação de uma "tela" (ex: YouTube, TV, aplicativos, etc.), lembre-se de se questionar se o grupo muscular antagônico também está listado na tarefa.
E, associado a isso, é preciso se perguntar se todos os músculos importantes estão sendo exigidos.
Algumas considerações adicionais sobre preservação do 'equilíbrio muscular':
>> Se na ficha de treino há flexão do cotovelo, ombro, tronco, quadril, joelho, será preciso fazer extensão dessas articulações também; Se peitorais fizerem adução horizontal, será preciso fazer abdução horizontal (ou seja, movimento no sentido oposto)... E por aí vai!
>> Para membros inferiores, uma dica é usar exercícios que exigem tanto da cadeia muscular anterior quanto posterior.
Exemplo disso é o exercício chamado 'agachamento' (e suas muitas variações). Embora eu devo registrar que o agachamento não exige igualmente dos músculos biarticulares da coxa (veja nesse post aqui).
Se houver escadas onde você mora, recomendo subir usando 2 em 2 degraus (ou 3 degraus se for uma pessoa muito alta... possivelmente acima de 1,90 metros), pois isso aumentará a participação da cadeia posterior (glúteos e posteriores da coxa) que habitualmente é menos exigida no dia a dia.
Isso também pode ser feito subindo numa cadeira ou banco dentro de casa (certifique-se da segurança... o 'móvel' precisará estar 'imóvel' e suportar seu peso).
Mas, atenção: isso não substitui um/a profissional que possa atender as necessidades do seu corpo. Portanto, é uma dica com prazo de validade.
De modo geral, os exercícios que você vê/verá na internet não são ruins, mas a gestão desses exercícios para preservar ou reverter desequilíbrios musculares e posturais não é tão óbvia ou intuitiva.
Em resumo, não é qualquer exercício que serve para você, mesmo que seja um bom exercício.
Eu sei que boa parte das coisas que falei não é simples para alguém sem formação em educação física, mas também acho positivo que você perceba que um/a profissional de educação física não passa quatro anos numa faculdade ou universidade à toa.
Mas, claro, sei também que diploma não é sinônimo de competência, de modo que é importante assegurar-se da qualidade do/a profissional que irá te auxiliar.
Termino a postagem relembrando a importância de se manter fisicamente ativo. Óbvio que algumas atividades rotineiras como caminhar, subir alguns lances de escadas, atividades domésticas, brincar com filhos ou crianças, pequenas corridas, entre outras, são coisas que podem e devem continuar sendo feitas sem qualquer necessidade de auxílio. Use a lógica do 'sentar menos, movimentar mais'.
Minha preocupação aqui é principalmente em relação a uma sistematização de exercícios que poderá envolver maiores volumes e intensidades. Nesse caso se torna importante considerar as coisas que apresentei aqui.
E aproveito para divulgar meu livro ‘Tomada de Decisão Baseada em Evidência: como julgar o nível de confiança e o grau de recomendação de artigos científicos na área das ciências da saúde'.
Em tempos de desinformação massiva e de tantos falsos experts, distinguir evidências reais das falsas é tanto emancipador quanto vital. Esse livro ensina a julgar a qualidade da evidência e a força da recomendação de qualquer artigo científico da área da saúde.
O livro oferece um sistema estruturado e didático, com:

Modelo de Julgamento: um sistema quantitativo de notas (0 a 100%) em paralelo a um sistema qualitativo (muito baixo, baixo, moderado, alto e muito alto).
Separação Estruturada: um framework claro para avaliar o nível de evidência com base em 13 quesitos metodológicos, e o grau de recomendação com base em 9 quesitos formais.
Ferramenta Prática (Checklist/Planilha): O conteúdo está associado a uma planilha gratuita que orienta no julgamento da qualidade da evidência e na força da recomendação (e ainda serve como checklist).
Script para Inteligência Artificial: fiz um script para a IA ChatGPT poder julgar o nível de evidência e o grau de recomendação. Embora a IA não deva substituir o julgamento humano final, ela facilita a compreensão e diminui a chance de erro humano, pois o script foi projetada para que a IA explique a razão das notas dadas a cada quesito.
E se você quiser ver o uso prático, passo a passo, da aplicação do meu livro, acesse o post: Polilaminina: NÃO há Evidência de Cura de Paraplégicos ou Tetraplégicos.
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Até o próximo post!
Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. É Professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).




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