"Não Consigo Ganhar Massa Muscular"... Saiba o Porquê.
- Blog Prof. Wellington Lunz

- 28 de nov. de 2020
- 8 min de leitura
Atualizado: 13 de nov.
Resumo: uma das perguntas que mais ouço é: 'Por que não consigo ganhar massa muscular?' Na maioria das vezes, a culpa não é do comportamento da pessoa, mas principalmente de fatores intrínsecos (biológicos). A ciência mostra haver pessoas mais e menos responsivas à hipertrofia muscular. Isso significa que o mesmo treino gera mais hipertrofia em uns do que em outros. Não é só o treino (fator extrínseco) que importa, mas como cada corpo responde. O ideal é encontrar a “dose” de treino mais eficiente para cada pessoa, sem se permitir cair na tentação das promessas e ofertas milagrosas.

Prof. Dr. Wellington Lunz - Universidade Federal do Espírito Santo
Provavelmente a pergunta que mais tenho ouvido ao longo dessa minha trajetória de docente de treinamento de força, fisiologia do exercício ou musculação seja exatamente essa: ‘Por que não consigo ganhar massa muscular?’
Na maioria das vezes, tanto os aspectos relacionados ao treinamento como os relacionados a nutrição estão suficientemente atendidos. Apesar do meu mestrado em nutrição, escrevo menos sobre esse tópico, mas deixo a seguir alguns posts que podem te interessar depois:
Mas é por causa do meu mestrado em nutrição e pela sorte de estar casado com uma nutricionista (mestre e doutora) muito competente em nutrição esportiva e clínica, que posso afirmar que, de modo geral, o problema não é nutricional.
De modo geral, o problema também não é falha no treinamento de força para hipertrofia. E essa é minha especialidade. Então, onde está o problema?

Uma resposta possível, embora não seja exatamente onde quero chegar, é que, as vezes, é apenas um problema de percepção.
Ou seja, a pessoa está tendo ganhos de hipertrofia dentro do que cientificamente é esperado, mas essa pessoa percebe como insuficiente.
É curioso que praticamente todos que me fazem tal questão NÃO sabem qual é o curso-temporal esperado de ganho de massa muscular ao longo de um dado tempo.
Sempre me lembro de uma história correlata em que uma moça objetivava perder peso, mas já tinha IMC = 21. Ou seja, estava mais perto da magreza que da obesidade.
Também recomendo um post bem importante sobre saber a magnitude das coisas: Se Você Não Sabe a MAGNITUDE, Então Você Não Sabe!
Mas esse desvio associado a percepção também não responde tudo, pois, na maioria das vezes, o ganho de hipertrofia realmente é menor que o esperado nessas pessoas.
Então, vamos a resposta que acredito ser a que, cientificamente, faz mais sentido.
Os aspectos relacionados ao treinamento e nutrição chamarei aqui de fatores extrínsecos.
Mas há uma dimensão muito pouco compreendida pelas pessoas, inclusive profissionais da área, que são os fatores intrínsecos.
Os extrínsecos são aqueles que podemos gerenciar (treinamento e nutrição), mas os intrínsecos (aspectos biológicos, fisiológicos, bioquímicos, metabólicos, etc.) temos pouco poder.
Ainda que haja alguma possibilidade de mecanismos epigenéticos, ainda assim continuamos com pouco poder sobre esses fatores. Chamarei, as vezes, esses fatores intrínsecos apenas de 'biológicos' para ser mais didático.
E é exatamente aqui que quero chegar... e para isso vou apresentar algum referencial. E outro post que recomendo sobre isso é: Hipertrofia: Lamento, Mas SUPLEMENTOS Servem Para Praticamente Nada.
Já sabemos há algum tempo que algumas pessoas são mais responsivas e outras menos responsivas ao ganho de massa muscular induzido pelo treinamento.
Isso é tão claro que já temos vários experimentos/estudos que separam esses dois grupos (as vezes 3 grupos: pouco, médio ou muito responsivo) para se tentar compreender os componentes intrínsecos que explicariam tais diferenças (Morton e Cols, 2018; Schiaffino e Cols, 2020).
Vou apresentar agora algumas coisas bastante interessantes sobre:
Barcelos e Cols (2018) conduziram um estudo objetivando comparar o efeito do treinamento de força para hipertrofia com diferentes frequências semanais: 5, 3 ou 2 vezes/semana.
Dez jovens ‘sem experiência’ (média 23 anos) realizaram 3 séries na cadeira extensora, com 9-12 repetições máximas (RM), 2 min entre séries, por 8 semanas.
Todos os participantes exercitaram uma de suas pernas 5 vezes/semana (total de 10 pernas), enquanto a outra perna realizou 3 vezes/semana (5 pernas) ou 2 vezes/semana (5 pernas).
Resumindo temos que 5, 3 e 2 vezes/semana totalizam 15, 9 e 6 séries semanas, respectivamente.
Ou seja, o volume não foi igual. E para depois você entender as muitas formas e limitações de cálculo do volume, te convido a ler o post: Hipertrofia: Você Está Calculando Errado o VOLUME.
Apesar da diferença de volume, o ganho de hipertrofia foi similar entre os grupos (medida no vasto lateral, usando ultrassom). Ou seja, o componente extrínseco (treinamento) não foi capaz de produzir diferenças entre os grupos.
Um outro estudo (Damas e Cols, 2018), que é desdobramento do anterior, aproveitou o experimento para fazer outras análises. Os pesquisadores dividiram 2 grupos, um chamado de alta frequência (5 vezes/semana) e o outro de baixa frequência (2 ou 3 vezes/semana).
O resultado mais impressionante foi como essas ‘pernas’ responderam as diferentes frequências. Para hipertrofia, 6 pernas (33%) responderam mais usando alta frequência; 7 pernas (37%) responderam mais usando baixa frequência; e outras 6 pernas (32%) tiveram ganho similar, independente de alta ou baixa frequência.
Há outro estudo (Scarpelli e Cols, 2020) liderado pelo cientista Cleiton A. Libardi, da Universidade Federal de São Carlos, que mostra algo consonante.
Nesse estudo algumas pessoas tiveram maior ganho de hipertrofia aumentando em 20% a carga de treino, enquanto várias outras tiveram ganho apenas quando se reduziu bastante a carga de treino.
Os dados individuais não estão no artigo, mas o Prof. Cleiton gentilmente me cedeu a planilha, e eu pude verificar as respostas individuais. Não posso compartilhar esses dados sem autorização, mas há claramente uma ‘dose ou carga’ de treinamento ideal para cada pessoa, a qual depende de fatores biológicos.
Há outro artigo desse mesmo grupo de trabalho (Damas e Cols., 2019) que ratifica essa interpretação de forma ainda mais contundente. Vinte jovens treinaram por 8 sem com 2 programas diferentes de treinamento.
Cada pessoa treinava uma perna com um protocolo convencional, e a outra perna com um protocolo variável. Apesar dos protocolos serem bem diferentes em termos de gerenciamento das variáveis extrínsecas, os autores não encontraram diferença para hipertrofia entre os grupos.
Mas o resultado mais impressionante desse estudo foi que a variabilidade ‘entre-indivíduos’ para síntese de proteína (MyoPS, 3,3%) e hipertrofia (CSA, 38%) foi aproximadamente “40 vezes maior” que a variabilidade ‘intra-indivíduo’.
Como os cientistas investigaram as pernas de cada pessoa foi possível identificar que a síntese e hipertrofia entre as pernas do mesmo participante não foi muito afetada pelos diferentes tipos de programa de treinamento de força.
Por outro lado, alguns participantes obtiveram muito mais ganho de massa muscular usando exatamente o mesmo protocolo.
Portanto, a capacidade intrínseca se mostra muito mais importante que fatores extrínsecos do treinamento de força para hipertrofia muscular.
Uma forma indireta de você perceber isso é simplesmente olhar o comportamento do ganho de massa muscular em qualquer estudo sobre hipertrofia muscular. Você verá que a variação entre pessoas, que fazem o mesmo protocolo, é absurdamente alto.
Veja essa figura abaixo (Hubal et al., 2005), de pessoas que treinaram o mesmo protocolo, mas teve gente que perdeu massa muscular e gente que ganhou mais de 50%:

Você, então, poderia me perguntar: mas considerando tudo isso, não há o que fazer?
Sim, há o que fazer... mas precisamos reconhecer que cada pessoa tem uma capacidade diferente da outra. E o que podemos fazer é um treinamento para hipertrofia o mais eficiente possível para que cada pessoa possa obtenha o maior ganho possível.
Sobre treinar com eficiência, favor acesse meu post Como Treinar Com Eficiência? Treinar Muito Não É Treinar Certo para compreender isso.
E o que não devemos fazer é comparar o ganho de A com B.
Esses estudos que citei, os quais ratificam a ideia de que a capacidade intrínseca é muito determinante para o ganho de massa muscular, não afirmam que as variáveis de treinamento não tenham importância.
Se você voltar aos resultados desses estudos verá que as pernas de uma mesma pessoa respondia de forma diferente para diferentes protocolos de treinamento. Isso significa que há uma ‘dose ou carga’ (componente extrínseco) de treinamento ideal para cada componente biológico (componente intrínseco).
Por exemplo, qual seria o número ideal de séries? Sugiro um post introdutório sobre isso: Hipertrofia Muscular: Quantas Séries Fazer?
Em resumo, há uma relação ideal entre esses dois componentes (intrínseco e extrínseco).
Do ponto de vista do treinamento para ganho de massa muscular precisamos, então, de minimamente duas coisas: Descobrir a ‘dose ou carga’ ideal para cada pessoa e, também, reconhecer que os ganhos que uma pessoa obterá não serão iguais as de outra. Há quem responde mais, e há quem responde menos.
E, para finalizar, não esqueça do componente extrínseco 'descanso': há quem ache que o estímulo é mais importante que o descanso... é outro erro!
Para você que não é profissional da área, toda vez que lhe oferecerem coisas milagrosas, cuidado!!! Podem estar apenas mercantilizando sua esperança.
E aproveito para divulgar meu livro ‘Tomada de Decisão Baseada em Evidência: como julgar o nível de confiança e o grau de recomendação de artigos científicos na área das ciências da saúde'.
Em tempos de desinformação massiva, distinguir evidências reais das falsas é tanto emancipador quanto vital. Esse livro ensina a julgar a qualidade da evidência e a força da recomendação de qualquer artigo científico da área da saúde.
O livro oferece um sistema estruturado e didático, com:

Modelo de Julgamento: um sistema quantitativo de notas (0 a 100%) em paralelo a um sistema qualitativo (muito baixo, baixo, moderado, alto e muito alto).
Separação Estruturada: um framework claro para avaliar o nível de evidência com base em 13 quesitos metodológicos, e o grau de recomendação com base em 9 quesitos formais.
Ferramenta Prática (Checklist/Planilha): O conteúdo está associado a uma planilha gratuita que orienta no julgamento da qualidade da evidência e na força da recomendação (e ainda serve como checklist).
Script para Inteligência Artificial: fiz um script para a IA ChatGPT poder julgar o nível de evidência e o grau de recomendação. Embora a IA não deva substituir o julgamento humano final, ela facilita a compreensão e diminui a chance de erro humano, pois o script foi projetada para que a IA explique a razão das notas dadas a cada quesito.
E se você quiser ver o uso prático, passo a passo, da aplicação do meu livro, acesse o post: Polilaminina: NÃO há Evidência de Cura de Paraplégicos ou Tetraplégicos.
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Até o próximo post!
Wellington Lunz é o proprietário desse blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Possui formação em Educação Física, Mestrado em Nutrição, Doutorado em Ciências Fisiológicas e é Professor Associado da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).





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