Treinamento de Força Também Reduz o Risco de Doenças Cardiovasculares... Não é só o Aeróbio?
- Blog Prof. Wellington Lunz

- 11 de out. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 12 de nov.
Resumo: é consenso que o treinamento aeróbio reduz o risco de doenças crônicas e cardiovasculares, embora o excesso possa ser prejudicial. O treinamento de força também protege o sistema cardiovascular. Estudos evidenciam que 30 min/semana de treinamento com pesos, como os realizados em academia de musculação objetivando hipertrofia muscular, reduzem o risco de doença coronariana em 23% (Tanasescu et al., 2002) e que 1–3 sessões semanais (<60 min/semana) diminuem o risco de eventos cardiovasculares em 40–70% (Liu et al., 2018). Além disso, maior força muscular reduz o risco de diabetes tipo 2 (Wang et al., 2019), que é um importante fator de risco cardiovascular. Portanto, um pequeno volume de treinamento de força já é suficiente para proteger o sistema cardiovascular.

Prof. Dr. Wellington Lunz - Universidade Federal do Espírito Santo
É consenso que o treinamento físico aeróbio reduz o risco de desenvolver doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), incluindo algumas das doenças cardiovasculares.
Também reduz o risco de mortalidade precoce por tais doenças. A única divergência refere-se a dose de exercício, uma vez que o excesso também é prejudicial (Lavie e cols, 2015).
E o treinamento de força ou treinamento contrarresistência, comum em academias de musculação objetivando principalmente hipertrofia muscular, pode fazer pelo nosso sistema cardiovascular?
Já antecipo que 'sim'. Aliás, há outros posts aqui do Blog mostrando que o treinamento de força também protege contra a obesidade, contra a rigidez arterial típica do envelhecimento e contra mortalidade. Alguns desses efeitos estão associados ao aumento da massa muscular.
É verdade que o número de estudos relacionados ao treinamento de força e efeitos cardiovasculares é menor que o número de estudos associados ao treinamento aeróbio, mas não insuficientes.
Quando olhamos a evolução história da principal diretriz internacional sobre o tema (Colégio Americano de Medicina Esportiva - ACSM), identificamos que a sugestão de benefícios do treinamento de força à saúde apareceu pela primeira vez apenas na recomendação de 1990 (Blair e cols, 1992; Feigenbaum e Pollock, 1999).

Em 2002, Tanasescu e cols investigaram a relação entre atividade física e doenças coronarianas de pessoas entre 40 a 75 anos de idade. Para isso utilizaram dados da coorte Health Professional's Follow-up Study, que envolveu 44.452 norte-americanos (entre 1986 a 1998).
Nesse estudo o treinamento de força de duração maior ou igual a 30 min/semana reduziu o risco de doenças coronarianas em 23%.
Em 2018, Liu e cols publicaram resultados da coorte The Aerobics Center Longitudinal Study, especificamente sobre efeitos do treinamento de força em desfechos cardiovasculares e mortalidade por todas as causas. A coleta de dados ocorreu entre 1987-2006, e incluiu 12.591 participantes (18 a 96 anos; idade média 46,5 anos; sendo 21% mulheres).
Comparando quem não praticava com quem praticava treinamento de força nas frequências de 1, 2 ou 3 vezes/semana ou entre 1-59 min/semana, verificou-se que o treinamento de força associou-se com ≈ 40-70% de diminuição do risco de eventos totais de doenças cardiovasculares, independente de exercício físico aeróbio.
Ou seja, o benefício que encontraram é específico do treinamento de força. Aliás, a adição do ‘exercício aeróbio’ praticamente não mudou os resultados para eventos cardiovasculares, embora sua retirada tenha diminuído o efeito para mortalidade por todas as causas.
Em resumo, o estudo mostra que o treinamento de força isoladamente pode proteger seu coração e diminuir a chance dele adoecer.
Algo bastante interessante é que Liu e cols (2018) não identificaram benefício para frequência semanal ≥ 4 vezes/semana, ou para duração maior que 60 min. Pelo contrário, acima de 3 vezes/semana houve tendência de efeito negativo.
Portanto, não é necessário treinar com grandes volumes para se obter tais benefícios. Duas vezes na semana, menos de 1h/semana, já é suficiente para tais benefícios.
Há uma recomendação antiga de realizar treinamento de força no mínimo 2 vezes/semana (Feigenbaum e Pollock, 1999)... mas os estudos que cito aqui (e outros que não citei) indicam que há limite para a frequência de treinamento de força, de modo que 'mais exercício não é necessariamente melhor'.
Há uma dose limite que precisa ser observada, pois exercício demais também é prejudicial. Sobre isso escrevemos algo mais detalhado recentemente (ver Cabral e cols, 2020).
Em 2019, Wang e cols publicaram resultados de uma coorte prospectiva (4.681 adultos; 20 a 100 anos; 8,3 anos anos de acompanhamento) que mostrou associação entre maior força muscular com menor risco (32%) de desenvolvimento de diabetes tipo 2, e que também foi independente do fitness cardiorrespiratório, que é um marcador da capacidade aeróbia.
Como diabetes é fator de risco para adoecimento do coração, esse efeito inverso entre treinamento de força vs. diabetes é uma ótima notícia!
Em 2023, o American Heart Association publicou um posicionamento histórico, reconhecendo que o treinamento de força protege contra doenças cardiovasculares.
O curioso foi o "quase-paradoxo”: o treinamento de força diminui pouco os fatores de risco (ex: glicemia, pressão arterial, dislipidemia, obesidade), mas o conjunto desses pequenos efeitos gera uma proteção expressiva (~15–17% menor risco de doenças cardiovasculares).
Bastam 30 a 60 minutos semanais (não é dia! é por semana). E quando o treinamento de força é combinado ao exercício aeróbio, os benefícios cardiovasculares se somam, mostrando que ambos são complementares, não concorrentes.
Para um resumo mais amplo desse documento do American Heart Association, leia outro post aqui do Blog: Musculação Nos Protege De Doenças Cardiovasculares e Morte Precoce
Portanto, o treinamento de força pode sim contribuir para a saúde do seu coração, e o volume de treino não precisa ser elevado.
Se você não pratica treinamento de força, recomendo que considere incluir essa modalidade na sua rotina. Não precisa prescindir do exercício aeróbio! As duas modalidades são complementares.
E aproveito para divulgar meu livro ‘Tomada de Decisão Baseada em Evidência: como julgar o nível de confiança e o grau de recomendação de artigos científicos na área das ciências da saúde'.
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E se você quiser ver o uso prático, passo a passo, da aplicação do meu livro, acesse o post: Polilaminina: NÃO há Evidência de Cura de Paraplégicos ou Tetraplégicos.
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Até o próximo!
Referências:
Lavie e Cols (2015). DOI: 10.1249/JSR.0000000000000134
Blair e Cols (1992). DOI: 10.1146/annurev.pu.13.050192.000531
Feigenbaum & Pollock (1999). DOI: 10.1097/00005768-199901000-00008
Tanasescu e Cols (2002). DOI: 10.1001/jama.288.16.1994
Cabral et al. DOI: 10.31236/osf.io/645e7
Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).





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