Aprenda a identificar o momento de treinar novamente
- Blog Prof. Wellington Lunz
- há 6 dias
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Prof. Dr. Wellington Lunz
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Costumo dizer aos meus e minhas estudantes que o conhecimento mais importante da minha disciplina de treinamento de força é sobre compreender o momento certo de treinar novamente. Ou seja, o momento certo de reestimular a musculatura.
A maioria dos profissionais de educação física, e até mesmo muitos entusiastas leigos, sabe estimular o músculo.
A chance de erro no estímulo é baixa, porque quando se estimula o músculo num grande espectro de cargas (de reps máximas) e de séries, geram-se resultados similares.
Ainda não escrevi (mas escreverei em breve) sobre o número de repetições para hipertrofia muscular, mas já escrevi bastante sobre o número ideal de séries, tanto aqui no Blog (aqui, aqui, aqui e aqui), em um capítulo de livro (aqui) e em um e-book (aqui).
Entretanto, reconhecer o momento certo de treinar o músculo novamente exige muito mais refinamento cognitivo. Repare na figura conjugada abaixo. Irei explicá-la:

Antes de uma sessão de exercício, assumimos que um corpo está em homeostase (estado de equilíbrio fisiológico). Ao darmos um estímulo, via sessão de treino, tiramos o corpo da homeostase.
Quando o organismo é estimulado (desafiado ou estressado), ocorrem várias alterações fisiológicas e bioquímicas, tanto imediatamente quanto nas horas pós-sessão.
Aliás, toda essa base do treinamento tem a ver com a teoria da Síndrome da Adaptação Geral (SAG), proposta por Hans Selye, a qual expliquei no post Por que a hipertrofia acontece? Vale a pena ler depois.
A figura acima foi desenhada para ilustrar a perda de desempenho físico (no nosso caso, perda de força muscular) causada pelo estímulo.
Mas, na prática, ocorrem muitas alterações, incluindo reduções (ex: ATP, fosfocreatina, glicogênio, força, amplitude articular, entre outros) e aumentos (ex: proteólise, resposta neuroendócrina, microlesões, inflamação, inchaço, dor muscular, entre outros).
Todas essas alterações refletem a perda da homeostase. Refletem o estado de um organismo desafiado.
Como disse, nem todas as alterações são imediatas. Algumas alterações podem levar horas ou dias para serem percebidas (ex: creatina quinase, inflamação), além de variar muito entre as pessoas (Wernbom et al., 2020).
Dependendo da magnitude do estímulo, tais alterações podem persistir por muitos dias (ex: inchaço, agentes inflamatórios, dor muscular, creatina quinase, perda da força, entre outros) (Peake et al., 2017).
Outro bom post para você perceber isso é o que intitulei O que é o pump muscular?
Mas, voltando à figura, depois do estímulo será necessário um tempo para que o organismo consiga se recuperar do estresse e promover uma adaptação positiva. Costumo fazer a seguinte analogia em sala de aula:
“Suponha uma chuva torrencial na sua cidade, daquelas nunca vistas antes. A água começa a invadir a sua casa. Nesse momento, a família toda (seriam as células desse corpo chamado casa) corre para salvar o que pode.
Levanta geladeira, armários, camas, etc. Retira tudo que pode. Será um Deus nos acuda até a água começar a baixar.
Só depois que a água baixar é que começará a reconstrução. A família limpará a lama. Jogará fora o que não presta mais (para os interessados na limpeza bioquímica que ocorre pós-treino, estimulo a leitura do post CATABOLISMO: A importância do sistema proteolítico).
A família irá readquirir o que for possível (no caso do corpo humano, é mais fácil, pois quase sempre só precisamos de boa alimentação).
E outra muito provável ação da família será construir um muro de contenção para o caso de chover assim novamente (é o que no organismo eu chamo de adaptação positiva).
Ou seja, antes da chuva torrencial, não tinha esse muro. Ele só surgirá como ‘adaptação positiva’ ao estresse vivido. A intenção é proteger a família e o patrimônio de um eventual dilúvio similar.
Quando falamos de hipertrofia muscular, a lógica é parecida. Há estímulo seguido por sofrimento celular e intracelular, e, depois que o estresse passar, um tempo de recuperação será necessário para uma adaptação positiva.
Poderíamos pensar na hipertrofia como esse muro que descrevi acima.
Ou seja, trata-se de uma adaptação para tornar o músculo mais resistente, caso venha outro estímulo (sessão de treino).
Muita gente acha que a hipertrofia ocorre para deixar o corpo mais forte. A hipertrofia até contribui para aumentar a força muscular, mas certamente esse não é o objetivo principal do músculo. Depois, leia meu post intitulado Hipertrofia NÃO te deixa forte? para entender melhor.
O objetivo principal é criar uma barreira de proteção contra o estímulo estressor.
É por isso que esse estímulo precisa ser progressivo, pois, do contrário, em algum momento o corpo perceberá que não é necessário gerar mais hipertrofia (não precisa aumentar o muro), inclusive porque isso aumentaria as demandas do organismo (ex: custo energético).
Se você construir um muro na sua casa, certamente só irá voltar a aumentar o tamanho desse muro se ocorrer uma chuva ainda mais forte que a anterior.
Outro exemplo que dou há tempos em aula, e tive a grata surpresa de encontrar o mesmo exemplo num livro que gosto muito, intitulado ‘The Physiology of Training for High Performance’, e escrito por duas lendas da ciência do treinamento de força: Duncan MacDougall e Digby Sale. Eles são professores eméritos da McMaster University (Canadá).
O exemplo que compartilhamos se refere às calosidades das mãos. Esses calos, que aparecem na mão, são respostas adaptativas ao estresse.
E só ocorrem se você der um estímulo moderado (ex: trabalhar com uma enxada) e, na sequência, deixar a mão descansar.
Se você trabalhar “no cabo de enxada” o dia inteiro, sem deixar a mão descansar, essa adaptação não vai acontecer, porque sua mão ficará em carne viva.
Ou seja, um estímulo incessante não permite tempo de recuperação e adaptação positiva.
Digo isso com conhecimento de causa, porque na adolescência e juventude trabalhei como lavrador, e aconteceu comigo algumas vezes.
Mas se você exercita em academia de musculação e percebe calos nas mãos, é porque você treinou por ~1h e, depois, deixou sua mão se recuperar por muitas horas (~48h).
Repare que o tempo de recuperação precisa ser muito maior que o tempo de estímulo. Por causa disso, sempre me questiono: por que as pessoas costumam dar mais valor ao estímulo do que à recuperação?
Os professores MacDougall e Sale ainda dão o exemplo da melanina. Se você ficar exposto ao sol o dia inteiro, poderá ter queimaduras graves. Mas se você ficar um pouquinho por dia, o corpo reage produzindo melanina, que ajudará a proteger a pele.
E há outros exemplos na fisiologia. A própria memória, que, diga-se, não é só essa que associamos ao cérebro, mas também à memória imune e à memória muscular, são respostas adaptativas pós-estímulos específicos.
Agora voltando à figura. Aliás, vou colocá-la abaixo novamente para você não ter que voltar lá em cima.

Repare que, após a recuperação, em virtude de tudo que já expliquei, esperamos uma adaptação positiva. Ou seja, esperamos que o ganho supere aquele que tínhamos antes do estímulo.
Então, o ponto verde da figura sinaliza o momento ideal para treinar o músculo novamente.
Mas é aqui que está a maior dificuldade. Como saber se estamos nesse ponto verde? É nisso que vou me dedicar a contribuir aqui e na sequência de posts que virão.
De fato, não há uma fórmula mágica. Não temos nada que ainda nos permita saber com exatidão quando estamos nesse ponto verde. Mas temos vários marcadores, endossados pela ciência, que podemos utilizar. Falarei deles mais adiante.
Mas, antes, preciso fazer uma ponderação importante, aproveitando que estou mostrando essa figura.
Repare que o ponto verde não é o único ‘ponto-momento’ em que podemos reestimular o músculo e ainda obter ganhos.
Na verdade, se estimularmos nos pontos laranja e amarelo, também haverá ganho. Mas, como mostro na parte inferior da figura (setas com diferentes inclinações), os estímulos nos pontos laranja e amarelo não gerarão a mesma magnitude de ganho linear comparado a estimular no ponto verde.
E é aqui que entra uma das grandes falácias, gerada por interpretações simplistas e limitadas, que nasceu no mundo do ‘marombismo’.
Não é incomum ver uma pessoa muito musculosa treinando de forma ineficiente, mas que está cheia de certeza de que sua forma de treinar é a melhor.
Na verdade, essa pessoa pode ter passado a vida inteira treinando mais perto do ponto-momento amarelo. E, claro, depois de muitos anos, talvez décadas, essa pessoa terá muita massa muscular.
Isso, entretanto, não é prova de que a pessoa treinou eficientemente. É prova apenas que conseguiu o resultado.
Ora, imagine uma viagem daqui de Vitória-ES até Salvador-BA. Eu ou você poderíamos ir de várias formas para Salvador: a pé, de bicicleta, a cavalo, de jegue, de motocicleta, de carro (com diferentes potências), de caiaque, canoa, barco, lancha, navio, helicóptero e avião (vários modelos).
Portanto, chegar a Salvador (resultado) não diz nada sobre o percurso (processo).
Penso que ir voando é, por ora, a forma mais eficiente. É mais rápido e acaba sainda mais barato. Também é bastante seguro. Mas é obvio que dá para chegar em Salvador de várias formas.
Isso vale para os muito musculosos. Uma coisa é conseguir muita massa muscular, outra é conseguir de forma eficiente: de forma rápida, segura e econômica.
Na prática, muito provavelmente não conseguimos acertar sempre no ponto verde. Devemos ora ficar mais perto do verde, ora mais perto do amarelo, e, talvez, ocasionalmente até errar.
Saberemos que estamos acertando mais do que errando pelos resultados. Se hover ganhos ao longo dos meses, é porque estamos mais acertando que errando.
Mas usando os marcadores que destacarei, e que discutirei cada um em um post específico, você certamente ficará mais perto do ponto verde que do ponto amarelo para baixo.
Devo enfatizar que as evidências científicas não permitem afirmar que exista um número de horas específico e exato de descanso entre sessões de treino, como 24h, 48h, 72h, 96h, etc.
O tempo de descanso, na verdade, dependerá do tamanho do desafio enfrentado pelo corpo.
Há uma frase equivocada, fruto de má interpretação, de que a pessoa precisa treinar pelo menos 3 vezes por semana.
Isso não é verdade para o treinamento de força e hipertrofia. Recomendo que depois leia meu post: NÃO é preciso treinar mínimo de 3 vezes por semana!
Treinos com carga de treino maior exigirão mais tempo de recuperação do que treinos com baixa carga de treino.
De fato, a maioria (~68%) dos fisiculturistas competitivos (Hackett et al., 2013) treina um certo grupo muscular apenas uma única vez por semana. Ou seja, após estimular muito o músculo, eles descansam ~168h.
E ‘resultado’ não lhes faltam. Mas, também, não quer dizer que seja a forma mais eficiente. Há quem mantenha um certo ceticismo quanto a isso (Schoenfeld et al., 2019).
Mesmo que não seja exatamente o melhor 'processo', há clara evidência de que não existe essa obrigação de descansar exatamente 24h, ou 48h, ou 72h.
Para a maioria das pessoas ficará realmente entre 48h e 72h de descanso, porque o estímulo não é tão grande (e nem deve ser) quanto os dos fisiculturistas.
Mas não se deve estabelecer as horas de descanso antes do estímulo, mas sim depois do estímulo.
É no pós-treino que iremos refletir, baseados em marcadores com evidências científicas, quanto tempo precisaremos descansar.
Eu costumo usar 4 marcadores para tomar a decisão de quando treinar novamente. E eu farei posts específicos para cada um deles.
Aliás, farei 5 posts, pois há um tipo de marcador (biomarcadores) que eu não uso e não recomendo por ora em espaços fitness/wellness, e precisarei fazer um post para explicar as razões para você.
Os marcadores que uso para a tomada de decisão de quando retreinar a musculatura são:
1º) Desempenho recuperado.
2º) Ausência de dor.
3º) Amplitude articular restabelecida.
4º) Alta recuperação percebida.
5º) Biomarcadores (explicarei por que não usá-los)
A medida que eu for escrevendo sobre eles, voltarei aqui e deixarei cada marcador como link clicável. Não colocarei tudo neste post porque ficaria gigante. Ma, semana que vem, continuarei.
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Lunz, W. Aprenda a identificar o momento de treinar novamente. Ano: 2025. Link: https://www.wellingtonlunz.com.br/post/como-saber-o-momento-de-treinar-novamente [Acessado em __.__.____].
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Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Tem se dedicado em transmitir conhecimentos baseados em evidências em diferentes áreas do conhecimento (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site ou e-mail: welunz@gmail.com.br