Como ganhar massa muscular fazendo dieta?
- Blog Prof. Wellington Lunz
- 11 de fev.
- 8 min de leitura
Atualizado: 28 de mar.

Prof. Dr. Wellington Lunz
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Suponha que você (ou seu cliente) esteja fazendo um treinamento de força para aumentar massa muscular, mas precisará passar por uma dieta hipocalórica (deficit calórico) para perder massa gorda (gordura).
Claro, a ordem pode ser inversa. Ou seja, você está fazendo dieta hipocalórica, mas precisa ou deseja fazer um treinamento para aumentar a massa muscular.
Nessas circunstâncias, dá para ganhar hipertrofia muscular? Hoje o post é sobre isso.
Algumas coisas que podemos (e vale a pena) afirmar antecipadamente:
1) Tanto a alimentação quanto o exercício contrarresistência são estimuladores independentes da síntese de proteína. Ou seja, ambos estimulam o anabolismo proteico (Damas et al., 2015).
Por outro lado, durante o repouso e o jejum é onde catabolizamos mais. O ideal para ganhar massa muscular de forma eficiente é ‘treinar-e-nutrir’. Expliquei essa lógica numa palestra que ministrei há alguns anos, cuja gravação está nesse vídeo aqui (após o tempo 14m34s).
2) Quando falamos em anabolismo, muitos acham que estamos falando apenas de síntese proteica. Não é só isso! Quando o organismo usa os ácidos graxos, glicerol e glicose ingeridos para aumentar suas reservas de gordura e glicogênio, isso também é anabolismo.
É fundamental ter isso claro, porque se você é uma pessoa típica, que faz movimentos diários habituais (ex: caminha ou corre um pouco, faz movimentos gerais, etc.), e ingerir uma dieta com superavit energético (consumir mais energia que gastar), você anabolizará (terá ganho) tanto gordura quanto massa muscular (ver Leaf e Antonio, 2017).
Mas não na mesma proporção. Nesse caso, você ganhará mais gordura do que massa muscular.
Há divergência sobre a magnitude dessa taxa 'gordura:músculo'. Parece depender da quantidade e tipo de proteínas ingeridas, da proporção dos nutrientes, do comportamento diário de cada pessoa, e varia muito entre pessoas diferentes (mas menos entre gêmeos), indicando haver um componente genético nisso (Leaf e Antonio, 2017). Pode variar até mesmo entre sexos (Guillet, 2019).
Lí um estudo certa vez que sugeria que essa 'taxa de ganho de gordura: músculo' seria, em média, 4:1. Ou seja, ganha-se ~4 g de gordura para ~1 g de massa muscular.
Quando a medida é de massa gorda (MG) e massa livre de gordura (MLG), essa relação fica mais perto de 2:1. Ou seja, ganha-se 2 g de gordura para 1 g de MLG (Slater et al., 2019; Leaf e Antonio, 2017).
Devemos lembrar que quando se mede MLG não dá para garantir que só tenha músculo. Além disso, músculo é majoritariamente formado por água (~70%). Portanto, a 'taxa gordura:músculo' é diferente da 'taxa gordura:proteína'. Mas, o resumo da ópera é:
"Excesso alimentar gera aumento das reservas de gordura e de músculo ao mesmo tempo. Depois da obesidade instalada, há sugestão de que essa obesidade prejudique a síntese de proteína muscular (Guillet, 2019), o que poderia explicar a chamada obesidade sarcopênica. Mas foge do escopo do post de hoje".
3) Na mesma lógica do excesso alimentar (overfeeding), quando se faz deficit calórico (underfeeding) perde-se tanto gordura quanto massa muscular. Mas, desta vez, perde-se mais gordura do que músculo. E provavelmente segue relação similar. Ou seja, algo entre 2:1 a 4:1 de gordura:MLG.
Por exemplo, um estudo feito com pacientes pós-bariátrica viu taxa de perda 'gordura:MLG' entre 3:1 e 4:1 (Zalesin et al., 2010). E, nesse estudo, os autores relatam que as únicas pessoas que conseguiram manter a massa muscular foram aquelas que disseram ter feito exercício físico no pós-bariátrica.
4) Temos muitos estudos, os quais permitiram algumas metanálises (Ismail et al., 2012; Chang et al., 2021), que mostram que o treinamento de força que tipicamente fazemos em academias, com gasto calórico entre ~180 a ~300 kcal, não é suficiente para reduzir gordura corporal significativamente (Wewege et al., 2022).
Quando o treinamento de força tradicional promove redução de gordura estatisticamente significativa, essa redução é relativamente pequena (ex: média -0,55 kg de gordura, em um período médio de 20,5 semanas de treinamento; Wewege et al., 2022).
A redução de gordura só é expressiva quando o treinamento é associado a restrição calórica (Normandin et al., 2017).
Ou seja, perda de gordura pelo exercício físico exige treinamento atlético, inclusive para os exercícios cíclicos de longa duração, como as corridas e o ciclismo.
Infelizmente, a maioria dos leigos acha que perderá gordura corporal com um pouco de caminhada, corrida e ciclismo. É um erro!
É inclusive um problema de saúde pública, pois essas pessoas podem se frustrar e desistir do exercício físico. E assim perdem uma infinidade de outros benefícios que o exercício físico oferece.
Também é preciso enfatizar que essa pequena redução de gordura (~0,55 kg) não é algo sem importância. Considerando que ao longo de 25 anos de vida adulta há ganho entre 0,5 a 0,8 kg de peso anual (Dutton et al., 2016), então esse efeito do treinamento contrarresistência na redução de gordura seria suficiente para impedir a evolução do peso gordo. Essa também é uma informação importante para o leigo.
E se, por exemplo, o treinamento contrarresistência reduzir 0,55 kg de gordura e, ao mesmo tempo, aumentar a massa magra em 1,5 kg, como indicado por Wewege et al. (2021), teremos a chamada recomposição corporal (Barakat et al., 2020).
Recomposição corporal é quando se ganha massa muscular e se perde gordura ao mesmo tempo (Barakat et al., 2020).
Mas julgo que o mais importante é, de fato, o ganho de massa magra induzido pelo treinamento contrarresistência e dieta (Barakat et al., 2020), ambos corretamente ajustados para cada pessoa. Veja que interessante:
Na revisão de Wewege et al. (2021), eles viram que o treinamento contrarresistência reduziu média de 0,55 kg de gordura, mas não houve associação com o volume de treino. Ou seja, fazer 'mais exercício' não foi melhor para reduzir o peso gordo.
Os autores, inclusive, reconheceram não saber como explicar o resultado da perda de gordura induzida pelo treinamento contrarresistência, uma vez que o gasto calórico, o EPOC (gasto de energia pós-exercício estimado pelo consumo de oxigênio) e a taxa metabólica de repouso não tiveram mudanças suficientes para explicar tal resultado.
Pois bem, há algo não medido habitualmente nos estudos científicos, que é o efeito de longo prazo do ganho de massa muscular adquirido.
O ganho de massa muscular, per si, promove resistência ao ganho de gordura, como discuti nos posts ‘Como emagrecer com musculação?’ e ‘O que EMAGRECE é o músculo, estúpido!’
Acredito que a explicação da redução do peso gordo que Wewege et al. (2021) não conseguiram explicar, possa ter relação com o que discuti nos posts do parágrafo anterior.
Mas, depois dessa longa introdução, inclusive bem maior que a parte principal que seguirá adiante, a questão é:
É possível ganhar massa muscular enquanto se faz restrição calórica?
Se a restrição calórica favorece o catabolismo, e o treinamento gera estímulo anabólico, o que vai acontecer se ambos ocorrerem ao mesmo tempo?
Mas a resposta é Sim! É possível ganhar massa muscular e perder massa gorda ao mesmo tempo, quando se treina e faz restrição calórica.
Mas há algo que, embora óbvio, preciso registrar: 'não adianta dar estímulo anabólico se não entregarmos material nutritivo correto e suficiente para formar massa muscular. E aqui precisamos destacar as proteínas de alto valor biológico'.
Mas há limite para essa restrição calórica. E é isso que mostrarei agora. Será rápido:
Uma metanálise (Murphy e Koehler, 2022) objetivou identificar o ponto de corte de deficit calórico que ainda permitiria ganho de massa muscular induzida pelo treinamento de força.
Repare na figura abaixo, retirada do próprio artigo, que a linha de tendência (linha declinada preta) cruza o eixo X em ~500 kcal (considerando também o intervalo de confiança).

Os autores concluiram que um deficit calórico menor que ~500 kcal (a esquerda disso) ainda permitiria ganho de massa muscular pelo treinamento de força.
Tracei uma linha vermelha na figura, a qual delimita o ponto de déficit calórico (~200 kcal) em que nenhum dos estudos incluídos teve perda de massa muscular.
Ou seja, com um déficit calórico de até ~200 kcal, você ainda continuaria ganhando massa muscular.
Mas, reforçando: isso não significa que seja o ideal para ganhar massa muscular. Se você já tem um percentual de gordura que não causa preocupação para sua saúde ou estética, o ideal é superavit calórico. Aliás, nutricionistas esportivos trabalham geralmente com superavit calórico quando desejam aumentar massa muscular.
O estudo também possui algumas limitações relacionadas à seleção, número, avaliação da qualidade, pareamento, heterogeneidade, estimativa do deficit calórico, entre outros.
Uma limitação que destaco é que os autores não conseguiram analisar a importância dos macronutrientes, em especial das proteínas.
Exemplo: apesar do deficit calórico, as pessoas consomem alimentos. Não é dieta sem calorias. Nesse caso, será que quem consome mais proteínas poderia ganhar massa muscular com um deficit energético ainda maior? Isso não foi respondido no estudo.
Apesar desses limites, o estudo é útil ao oferecer um ponto de corte objetivo e facilmente interpretável. Geralmente, as metanálises apresentam resultados na forma de 'tamanho de efeito', e pouca gente entende isso.
Para concluir, trata-se de uma orientação (uma luz), e não uma definição. Certamente você reparou no gráfico que há estudos com deficit calórico maiores que 500 kcal em que não houve perda de massa magra, e estudos com deficit calórico inferiores a 500 kcal em que houve perda muscular.
Para assuntos de nutrição esportiva e perda de peso corporal eficiente, indico o Instituto Afficere (https://www.institutoafficere.com.br/). Utilizar o máximo do potencial de cada corpo não é para amadores. Inclusive porque muitos corpos não têm tanto potencial assim, seja por questões genéticas ou socioculturais. Esses corpos são invisibilizados pelos influencers de redes sociais.
Então, amiga e amigo, é isso... Obrigado por ler até aqui. E se você gostou, compartilhe com colegas e amigos/as ou em suas redes sociais. E quem quiser receber as novas postagens deste Blog, basta clicar aqui para se inscrever na Newsletter.
E, como habitual, em tempos de escritas por inteligência artificial (ex: chatGPT, DeepSeek, Gemini), vale dizer que essa postagem não usa isso... é feita exclusivamente das minhas leituras, interpretações e experiências ao longo da minha trajetória.
Lunz, W. Como ganhar massa muscular comendo pouco? Ano: 2025. Link: https://www.wellingtonlunz.com.br/post/como-ganhar-musculo-comendo-pouco [Acessado em __.__.____].
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Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Tem se dedicado em transmitir conhecimentos baseados em evidências em diferentes áreas do conhecimento (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site ou e-mail: welunz@gmail.com.br
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