Envelhecimento Biológico: O Treinamento Físico Pode Combater?
- Blog Prof. Wellington Lunz

- 12 de dez. de 2020
- 9 min de leitura
Atualizado: há 6 dias
Resumo: o exercício físico retarda a deterioração orgânica, melhora a capacidade funcional e pode reduzir a idade biológica, tornando o corpo “mais jovem” do que a idade cronológica. Estudos indicam que o exercício físico regular pode diretamente prolongar a vida em 3 a 6 anos.E o mais importante: aumenta a qualidade de vida. Pois não basta estar vivo, é preciso estar vivo e bem. Não podemos parar o tempo, mas podemos desacelerar seus efeitos.

Prof. Dr. Wellington Lunz - Universidade Federal do Espírito Santo
A tenista Martina Navratilova venceu seu último torneio de tênis em Wimbledon aos 46 anos.
Roger Federer, também tenista e com 20 títulos de Grand Slam, jogou até seus 41 anos. Quando se aposentou, estava entre os 10 melhores do ranking ATP.
Kazuyoshi Miura, com 53 anos jogava futebol na principal liga japonesa. Em 2025, com 58 anos, continua jogando como profissional do futebol no futebol japonês.
Ed Whitlock, Canadense, aos 48 anos correu sua primeira maratona com tempo inferior a 3h. Aliás, alerto que não tenho acesso aos seus tempos oficiais, e as informações que eu consegui são informações livres na internet.
Várias fontes na internet relatam que aos 73 anos ele concluiu uma maratona com o INACREDITÁVEL tempo de 2h54min.
Nessa idade, completar uma maratona já seria algo extraordinário... mas esse tempo é de causar inveja a qualquer jovem atleta corredor de longa distância.
Alguns anos antes, aos 68 anos de idade, ele já havia feito seu melhor tempo em uma meia maratona (1h20m33s).
Infelizmente Ed Whitlock morreu aos 86 anos, vítima de um câncer... mas no ano anterior, aos 85 anos, ele havia completado uma meia maratona. A vida terminou, mas foi uma vida plenamente ativa.

Dizem que o inglês John Starbrook completou a maratona de Londres por 32 vezes, sendo a pessoa com mais idade a completar uma delas (aos 87 anos). Ele começou com corridas de longa distância aos 53 anos (link), em 2025, com 95 anos, continua fisicamente ativo.
O francês Robert Marchand, em 2017, com 105 anos de idade, pedalou 22,5 km em 60 minutos. Recorde na categoria "Acima de 105 anos", criada por causa dele. Faleceu com 109 anos.
Agora indo para o mundo do 'treinamento de força'. Há muitos anos o primeiro a me impressionar, e certamente todos da minha geração, foi o ‘Dr. Life’ (Jeffrey Life). Dê uma ‘busca’ rápida na internet por ‘Dr. Life’ (busque imagem).
Lee Pao-kang, fisiculturista Taiwanês, campeão de muitos torneios importantes em seu país. Seu último título foi aos 58 anos de idade. Parece que se aposentou aos 65 anos, mas com corpo que muitos jovens almejam (veja na foto abaixo, ele e Ernestine Shepherd, nossa próxima personagem...).
Ernestine Shepherd é uma fisiculturista que competiu pela primeira vez aos 71 anos de idade. Aos 81 anos fazia supino com mais de 50 kg. E, sim, ela continua muito bem em 2025, com 89 anos.

George Hood, norte-americano, aos 62 anos quebrou o recorde de tempo na prancha abdominal... 8 horas e 15 minutos. Ele já havia estabelecido um tempo não-oficial ainda maior em 2018, de 10 horas, 10 minutos e 10 segundos, em um evento beneficente.
Nunca testei meu máximo na prancha, mas certamente não passa de alguns míseros minutos!
Há muitos outros exemplos mundo a fora... aliás, se você buscar imagens na internet usando os termos “athletes over 80 years old”, você ficará absolutamente impressionado.
Então, considerando esses exemplos, podemos afirmar que o treinamento físico combate o envelhecimento biológico?
Até podemos afirmar que 'sim', mas não exatamente por causa dos exemplos que citei.
Pois, do ponto de vista científico, a forma como descrevi acima é bastante enviesada. Embora eu tenha associado desempenhos atléticos a uma grande qualidade funcional, temos que lembrar que há vários outros componentes importantes que afetam a idade biológica, mas que eu não mencionei.
Por exemplo, não mencionei sobre os hábitos alimentares, uso (ou não uso) de drogas lícitas e ilícitas, estresse e capacidade de gerenciar estresse, entre outros.
Sabemos que o exercício físico aumenta a qualidade funcional e a expectativa de vida, mas, em relação a esse último, a magnitude não é tão grande como alguns poderiam supor, considerando as descrições que fiz... a magnitude tem ficado em torno de 3 a 6 anos a mais de vida (Wen et al., 2011; Hallal et al., 2012; Wen & Wu, 2012).
Isso considerando apenas o efeito isolado do exercício físico. Mas também sabemos que o sedentarismo mata mais que o tabagismo (Lee et al, 2012).
Aproveito para convidar você para ler outros posts aqui do Blog mostrando como o exercício físico, em particular o treinamento de força, melhora a saúde cardiovascular (veja aqui e aqui), protege contra mortalidade, e protege contra a obesidade. Alguns desses efeitos estão associados ao aumento da massa muscular.
Há, claro, outras discussões muito relevantes, como a importância do exercício físico em aumentar a qualidade funcional... uma coisa é viver 84 anos como o Ed Whitlock, e outra, bem diferente, é passar os últimos 10 ou 20 anos com pouca ou nenhum independência funcional.
E, também, é habitual que pessoas que decidem por uma vida mais ativa passem a ter outros hábitos saudáveis, como: reduzem ou param de fumar (inclusive mostramos essa associação em um estudo nosso; Lunz et al., 2010) ou ingerir álcool, se alimentam de forma mais saudável e passam a ter uma vida social mais ativa.
Essas coisas, por sua vez, geram outros eventos positivos como redução do peso gordo (o que diminui o estado inflamatório crônico), melhora do sono, melhora do estado de humor, maior autocuidado, menor estresse, ganho de competência motora (o que reduz quedas em idosos), maior motivação... e talvez eu ainda esteja esquecendo algo.
A relação que fiz (principalmente da forma como fiz) entre 'atletas e envelhecimento biológico' é o que Dr. Antonio Damasio, em seu livro 'O erro de Descartes' chama, creio, de ‘glória por aproximação’. O que seria isso?
Bom... se eu coloco algo muito positivo (neste caso é o desempenho funcional) junto com outra variável qualquer, o cérebro automaticamente fará uma associação positiva das duas coisas, embora nem sempre haja qualquer correlação... são por coisas como essas que políticos, de modo geral, sempre querem aparecer do lado de um time campeão!
Sobre isso, também tem convido a ler o post Renato Cariani, Polícia Federal e o Fitness.
Outro post bem legal associado a esse ideia é o seguinte: Como NÃO ser Enganado nas REDES SOCIAIS.
Mas, voltando a ideia inicial do post, que é falar de 'idade biológica', os exemplos iniciais tiveram, sim, esse propósito.
Isso porque esse choque que temos ao ver que um dado desempenho, que é muito diferente do que temos por concepção, nos ajuda a perceber o que é ‘idade biológica’ (mesmo sem saber o conceito exato).
De modo geral o estado biológico acompanha o cronológico, e por isso temos uma percepção geral de como uma pessoa deve ser ou estar para cada idade.
Se do ponto de vista fisiológico e funcional ficamos distantes daquilo que é ‘normal ou esperado’ para uma idade cronológica, então estamos falando de um 'corpo biológico' e 'cronológico' que se afastam.
Mas como definir a idade biológica?
Sabemos que há um ritmo de deterioração biológico em vários sistemas orgânicos (ex: pulmonar, cardiovascular, renal, hepático, imunológico, periodontal, muscular, etc.) à medida que envelhecemos. Por consequência, haverá disfunção física e funcional.
Aqui temos uma condição de mão dupla, uma vez que o sedentarismo também compromete funções biológicas.
Então, considerando isso, é possível estabelecer uma curva de normalidade em relação a essas condições para diferentes faixas etárias.
Por exemplo, se uma pessoa de 20 anos de idade apresentar disfunções biológicas e funcionais que apenas são esperadas na idade de 60 anos, então teremos uma representação de um envelhecimento biológico precoce.
O inverso também é verdadeiro. Se uma pessoa de 60 anos apresentar características biológicas e funcionais típicas de um jovem de 20 anos, então temos uma pessoa com idade biológica muito menor que a esperada.
E esse foi o objetivo dos exemplos que dei no início dessa postagem. Aliás, segue mais um exemplo:
O professor Norman Lazarus, ciclista de longa distância, aos 80 anos participou de um estudo onde constataram que o sistema imunológico dele era similar à de um jovem de 20 anos. Em 2025 está com 89 anos, ativo, dando palestras, escrevendo livros.
Eu disse quase tudo isso até o momento para chegar no estudo que citarei agora, realizado por Belsky e Cols (2015).
Esse grupo de cientistas estudou o envelhecimento em 954 pessoas, em estudo chamado Dunedin Study birth cohort.
Nessa coorte os pesquisadores fizeram várias medidas em diferentes idades (26, 32 e 38 anos), rastreando 18 biomarcadores associados ao processo de envelhecimento.
Vou citar alguns desses biomarcadores: aptidão cardiorrespiratória, função pulmonar, relação cintura-quadril, pressão arterial, comprimento do telômero de leucócitos, depuração da creatinina, colesterol HDL, triglicerídeos.
Interessante notar que desses marcadores citados, vários são positivamente afetados pelo exercício físico.
Posteriormente os pesquisadores estimaram a idade biológica usando uma equação que foi proposta por outro grande estudo (chamado NHANES, e que envolveu 9.000 pessoas).
Tal equação contém 10 marcadores representativos da diminuição da integridade de vários sistemas orgânicos.
A propósito, como conhecimento adicional, no estudo NHANES a idade biológica se mostrou um preditor da mortalidade mais forte que a idade cronológica.
O que os pesquisadores identificaram foi que muitas pessoas jovens eram biologicamente mais velhas.
A idade biológica dessas pessoas variou de 28 a 61 anos de idade. Portanto, havia pessoas cronologicamente jovens, mas biologicamente "velhas".
E verificaram também que as pessoas que envelheciam precocemente eram menos funcionais fisicamente, apresentavam declínio cognitivo e cerebral, e relatavam saúde pior.
Especificamente em relação a alguns aspectos da capacidade física, há outras coisas interessantes. Os autores relatam que, na gerontologia, a capacidade física diminuída (ex: menor velocidade dos passos) é uma indicação importante do declínio da saúde relacionada ao envelhecimento.
E nesse estudo de Belsky e Cols, as pessoas com idade biológica mais avançada tiveram um desempenho pior em testes de desempenho físico.
Eles tinham mais dificuldade com testes de equilíbrio e motores, tinham menos força de preensão manual, e se percebiam com menor capacidade física.
Para concluir, e não é apenas por causa desse último estudo supramencionado, podemos afirmar que o treinamento físico contribui para o rejuvenescimento biológico, seja de forma direta (ex: melhorando a capacidade funcional, modificando vários componentes fisiológicos) ou indireta (ex: melhores hábitos).
Não podemos voltar o tempo, mas podemos desacelerar a deterioração orgânica.
E aproveito para divulgar meu livro: ‘Tomada de Decisão Baseada em Evidência: como julgar o nível de confiança e o grau de recomendação de artigos científicos na área das ciências da saúde'.
Em tempos de desinformação massiva, distinguir evidências reais das falsas é tanto emancipador quanto vital. Esse livro ensina a julgar a qualidade da evidência e a força da recomendação de qualquer artigo científico da área da saúde.
O livro oferece um sistema estruturado e didático, com:
Modelo de Julgamento: um sistema quantitativo de notas (0 a 100%) em paralelo a um sistema qualitativo (muito baixo, baixo, moderado, alto e muito alto).
Separação Estruturada: um framework claro para avaliar o nível de evidência com base em 13 quesitos metodológicos, e o grau de recomendação com base em 9 quesitos formais.
Ferramenta Prática (Checklist/Planilha): O conteúdo está associado a uma planilha gratuita que orienta no julgamento da qualidade da evidência e na força da recomendação (e ainda serve como checklist).
Script para Inteligência Artificial: há um script para a IA ChatGPT poder julgar o nível de evidência e o grau de recomendação. Embora a IA não deva substituir o julgamento humano final, ela facilita a compreensão e diminui a chance de erro humano, pois o script foi projetada para que a IA explique a razão das notas dadas a cada quesito.
E se você quiser ver o uso prático, passo a passo, da aplicação do livro, acesse o post: Polilaminina: NÃO há Evidência de Cura de Paraplégicos ou Tetraplégicos.
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Até o próximo!
Treinamento de força reduz o risco de doenças cardiovasculares? Ou é coisa para o exercício aeróbio?
Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).






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