Como NÃO ser Enganado nas REDES SOCIAIS (e na vida)? Use a Ciência
- Blog Prof. Wellington Lunz
- 2 de out.
- 5 min de leitura

Prof. Dr. Wellington Lunz
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Veja que história inacreditável:
“Uma moça, numa dada rede social, disse que sua mãe não queria mais dirigir automóvel usando cinto de segurança.
Segundo ela, a mãe argumenta que o cinto não protege contra mortes. Mas o pior vem agora:
A moça disse que a mãe é médica socorrista! Sim, uma médica, possivelmente do SAMU ou serviço privado similar, que atende acidentados de automóveis.
O argumento da médica era que a maioria das pessoas que morria em acidente automobilístico estava usando cinto de segurança".
Mas são por coisas como essas que digo que ‘verdades descontextualizadas são mentiras’. Diferentes de alguns, interpreto que ‘tudo que mal informa, desinforma’.
Para resolver esse caso (bem como os casos de pessoas que negam vacina, ou negam entrar em ambulância, ou defendem remédios ineficazes, etc.) recomendo usar uma ferramenta científica simples, mas poderosa. Eu a chamo de matriz epistêmica.
Para chegar nela, preciso contextualizar. É algo quase filosófico (há quem diga que surgiu realmente na filosofia).
Para qualquer interpretação ou afirmação há 4 conclusões possíveis. As coisas:
‘Parecem ser, e são’; ‘parecem ser, mas não são’; ‘parecem não ser, e não são’; ‘parecem não ser, mas são’.
Portanto, duas verdadeiras e duas falsas. Suponha uma mulher na dúvida se está ou não grávida. Ela compra um desses exames de farmácia. Quais os resultados possíveis?
Antes, devemos lembrar que todo exame tem margem de erro. Então, podemos demonstrar:
‘O resultado do exame pode dar positivo para gravidez, e de fato ser verdade (verdadeiro positivo - VP); pode dar positivo, mas não ser verdade (falso positivo - FP); pode dar negativo, e de fato ela não estar grávida (verdadeiro negativo - VN); e pode dar negativo, mas ela estar grávida (falso negativo - FN).

Voltemos agora ao caso do cinto de segurança. Para além do fato da nossa personagem médica estar concluindo com base numa associação transversal (o que jamais deve ser feito), ela certamente está olhando essa matriz de forma fragmentada.
Fiz algumas buscas e estimei o número de mortes e não mortes (em 100 mil) de pessoas que sofreram acidentes automobilísticos.
Repare os dados da figura abaixo. Se olharmos esses dados dessa forma (fragmentados), poderíamos concluir como a médica.
Veja que temos 950 casos de mortes em pessoas que usavam cinto, contra 150 mortes para os que não usavam cinto. Isso dá 6,33 vezes mais mortes para usuários de cinto.

Isso é uma informação. E informação não é conhecimento. A informação até pode estar correta, mas não existe verdade fragmentada.
Você conhece alguém que teve meio filho? Ou teve um quinto de filho? Verdade é mais ou menos assim: 'não existe verdade fatiada'.
Todo fragmento de verdade enviesa a interpretação. Veja agora como fica a interpretação com as informações completas:

O número de pessoas que sobrevive também é muito maior para usuários de cinto. Dos que usavam cinto, somente 1% de mortes, contra 3% de mortes para não usuários de cinto.
Isso dá um risco relativo (RR) e uma razão de chances (odds ratio; OR) 3 vezes maior de morte para não usuários de cinto.
Essa matriz epistêmica, também chamada na epidemiologia de tabela de contingência ou tabela 2x2, permite calcular muitas coisas.
No exemplo que dei sobre o ‘teste de farmácia’ para gravidez, essa matriz permite calcular o desempenho do teste com as métricas conhecidas como sensibilidade, especificidade e eficácia.
Me lembro quando surgiram os testes para covid-19, a primeira coisa que fiz foi analisar a sensibilidade, especificidade e eficácia dos testes. E não eram muito convincentes.
Permite ainda calcular conhecimentos fundamentais para a tomada de decisão, como o risco relativo e a razão de chances (úteis ao nível populacional), e valores preditivos positivo e negativo, e razão de verossimilhança positiva e negativa (muito importantes no nível individual; ex: paciente).
E o que isso nos ensina sobre redes sociais?
Se você pensar no instagram, por exemplo, perceberá que cada post retangular (feed, stories ou reels) apresenta uma informação fragmentada em quase 100% das vezes. Cobre somente um ou dois quadrantes dessa matriz epistêmica.
Mas, como já disse, a verdade exige dados completos e contextualizados.
Essa história do cinto de segurança também se aplica aos casos de pessoas que:
negam vacina porque conhecem algumas pessoas que morreram mesmo estando vacinadas;
afirmam jamais entrar em ambulância porque conhecem pessoas que morreram dentro de ambulâncias;
defendem remédio ineficaz porque conhecem quem sobreviveu a uma doença após tomá-lo;
deslegitima um remédio eficaz porque conhece quem morreu após tomá-lo.
Acho que já deu para entender, né? Exemplos não faltam.
Conclusão
Nas redes sociais e na vida, use essa matriz epistêmica para julgar adequadamente.
De agora em diante, sempre que você vir um post no instagram, lembre-se: há 4 conclusões possíveis.
E essa conclusão não pode ser só sua. Afinal, você pode achar que algo é verdade (e pode acertar ou errar), mas outra pessoa pode achar que essa mesma coisa não é verdade (e pode acertar ou errar).
E se você quer aprender densamente a como usar a Ciência a seu favor, considere meu livro ‘Tomada de Decisão Baseada em Evidência: Como julgar o nível de confiança e o grau de recomendação de artigos científicos na área das ciências da saúde’.
Eu fiz um post mostrando a importância e como aplicar os conhecimentos do meu livro (passo a passo):
Vale a pena ler para entender como esse livro ajudará você nas tomadas de decisões.

Então é isso, amiga e amigo... Obrigado por ler até aqui. E se você gostou, compartilhe com colegas e amigos/as ou em suas redes sociais.
Meus posts são feitos exclusivamente das minhas leituras, práticas e interpretações ao longo da minha trajetória.
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Lunz, W. Como NÃO ser Enganado nas REDES SOCIAIS (e na vida)? Use a Ciência. Ano: 2025. Link: https://www.wellingtonlunz.com.br/post/como-nao-ser-enganado [Acessado em __.__.____].

Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Tem se dedicado em transmitir conhecimentos baseados em evidências em diferentes áreas do conhecimento (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site ou e-mail: welunz@gmail.com.br
Conteúdo que deveria ser obrigatório nas escolas, desde o ensino fundamental. Sensacional.