Caminhar Diminui o Risco de Morte
- Blog Prof. Wellington Lunz

- 17 de out. de 2023
- 6 min de leitura
Atualizado: há 2 dias
Resumo: a cada 2 mil passos adicionais (até ~10 mil passos/dia) o risco de morte por todas as causas, doenças cardiovasculares e câncer pode diminuir em torno de 8% a 11%. A intensidade da caminhada também importa: a melhor associação foi observada na cadência média de ~75 passos/min, mas sem ganhos adicionais acima disso. Além disso, passos incidentais e propositais tiveram efeitos semelhantes, reforçando o mantra recente: “caminhe mais, sente-se menos”. Lembre-se que a caminhada não substitui os efeitos do treino de força.

Prof. Dr. Wellington Lunz - Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Em 2022, Cruz et al. publicaram na prestigiada revista JAMA o artigo ‘Prospective associations of daily step counts and intensity with cancer and cardiovascular disease incidence and mortality and all-cause mortality'.
Trata-se de um estudo que envolveu uma amostra de 78.500 pessoas para relacionar CAMINHADA e MORTALIDADE. Li o artigo porque é o típico estudo que oferece resultados com ALTO GRAU de RECOMENDAÇÃO.
Entretanto, uma reclamação que tenho é sobre a triste mania que meus colegas cientistas têm de apresentarem as coisas numa linguagem impossível do/da profissional, sem aproximação científica, entender.
Como o/a profissional que está na ponta, fazendo intervenções sociais, irá usar tais conhecimentos, se não conseguir entender?
Por isso, precisamos urgentemente reconhecer a necessidade de cientistas com capacidade de divulgar conhecimento, para fazer a PONTE entre a ciência e o profissional.
E essa ponte precisa ser feita por cientistas, pois jornalistas habitualmente não conseguem fazer isso (seja por não entender, ou porque a pauta do editor busca muito mais o ‘sensacional’ que o ‘importante’).
Mas vamos lá! Vou explicar o estudo e os resultados, de modo que você (leitor sem formação em curso superior) poderá aplicar nas suas vidas e vidas das pessoas que lhe são queridas.
Os pesquisadores enviaram acelerômetros (instrumento que permite contar passos) para mais de 100 mil pessoas do Reino Unido (UK Biobank Study).
E você não entendeu errado: Foram 100 mil acelerômetros enviados. E não é um equipamento baratinho.
As pessoas que aderiram ao estudo usaram o equipamento por 7 dias, 24h/dia. Mas essas pessoas (média 61 anos; 40 a 79 anos) foram seguidas por ~7 anos (coorte prospectiva).
Em relação à intensidade dos PASSOS, usaram as seguintes métricas e classificações:
* Passos incidentais: <40 passos/min.
* Passos propositivos: ≥40 passos/min.
* Peak-30: média dos 30 min/dia com cadência mais acelerada, não necessariamente consecutivos.

Tiveram outras métricas, mas essas são as mais importantes.
Os desfechos principais foram mortalidade por todas as causas, por doenças cardiovasculares (DCV) (coronarianas, AVC e infarto) e por cânceres (limitaram em 13 tipos que já se tem evidências de associação com exercício).
Fizeram ajustes estatísticos para as seguintes covariáveis potenciais: idade, sexo, IMC, raça, escolaridade, status socioeconômico, tabagismo, álcool, consumo de frutas e vegetais, histórico familiar de cânceres e/ou DCV, uso de medicamentos (para colesterol, insulina, hipertensão). Mas senti falta de ajustes para o histórico de atividade física. É uma limitação.
E quanto aos RESULTADOS? Seguem:
A amostra final foi de 78.500 pessoas. Ocorreram ~2 a 3 mil mortes e cânceres, e mais de 10 mil DCV.
Identificaram que a cada 2000 mil passos adicionais (até o limite de ~10 mil passos) a chance de mortalidade por todas as causas, ou DCV e cânceres DIMINUÍA entre 8% a 11%.
Ou seja, a cada 2000 mil passos a mais, menos ~8% a 11% de chance de morte ou doenças graves. Então, até 10 mil passos isso chegava a uma proteção igual ou maior que 40%.
Eles fizeram outra análise interessante, e que motivou o título desse post:
Imagine que 10.000 pessoas aderissem à caminhada peak-30 por 1 ano (ou seja, fazer ~30 min de caminhada na cadência de 75 passos/min, que foi a cadência que gerou melhores resultados... já falarei disso). Nesse caso, entre 8 a 9 pessoas seriam salvas pela CAMINHADA.
O número é "pequeno" porque, claro, se você seguir 10.000 pessoas durante 1 ano, poucas mortes ocorrerão. Não estamos falando de 10 mil mortes, mas 10 mil pessoas seguidas por um certo tempo.
Mas também pode-se fazer a seguinte reflexão: 'E se a pessoa salva for quem você mais ama?'
Os autores poderiam ter feito essa contabilidade também para 'pessoas que não adoeceriam', pois doenças impactam muito o sistema de saúde. Seria um dado muito útil.
Outras coisas INTERESSANTES:
1) Para mortalidade por DCV, houve tendência de PIORAR (aumentar) depois de ~9 mil passos (então, não precisa fazer demais).
2) Para mortalidade por todas as causas, não piorou após 10 mil passos, mas ficou estável (platô) até ~ 25 mil passos.
3) Para mortalidade por cânceres, continuou melhorando após 10 mil passos, embora numa taxa menor.
Essas coisas estão alinhadas com uma revisão que publicamos em 2020 (aqui). Recomendo a leitura. Irá te ajudar bastante a tomar decisões melhores que as recomendações geralzonas do ACSM.
4) Tanto passos incidentais como propositais deram resultados SIMILARES, mostrando que a caminhada não precisa ser sistematizada. É o famoso:
Caminhe mais, sente-se menos!
5) Viram associações mais fortes (maior magnitude) para cadências mais aceleradas por 30 minutos (peak-30), que superou os benefícios dos passos diários totais.
Entretanto, com tendência a piorar depois da cadência de ~ 75 passos/min, exceto para cânceres (embora fazer mais de 75 passos/min também não foi melhor). Ou seja, a intensidade da caminhada também não precisa ser exagerada.
CONCLUSÕES:
> Não há número mínimo de passos (mas há máximo) para ter benefício.
> Não precisa necessariamente ser sistematizado;
> Fazer demais não é investimento (isso também vale para a intensidade).
> Caminhada até ~75 passos/min tá bom demais. E é uma cadência bem tranquila para a maioria das pessoas.
Então, uma recomendação que dou: em vez de caminhar em excesso, inclua TREINO de FORÇA na sua rotina. Veja alguns posts meus para te convencer a incluir treino de força:
IMPORTANTE: É um estudo observacional, portanto não permite estabelecer com segurança 'causa e efeito'. Mas os resultados não fogem muito de outros estudos que investigam dose resposta, como mostramos no artigo que publicamos em 2020 (aqui).
E, para concluir, se você deseja aprender a julgar a qualidade metodológica de artigos científicos e a força da recomendação dos resultados, adquira meu livro:
Em tempos de desinformação massiva e de tantos falsos experts, distinguir evidências reais das falsas é tanto emancipador quanto vital. Esse livro ensina a julgar a qualidade da evidência e a força da recomendação de qualquer artigo científico da área da saúde.
O livro oferece um sistema estruturado e didático, com:

Modelo de Julgamento: um sistema quantitativo de notas (0 a 100%) em paralelo a um sistema qualitativo (muito baixo, baixo, moderado, alto e muito alto).
Separação Estruturada: um framework claro para avaliar o nível de evidência com base em 13 quesitos metodológicos, e o grau de recomendação com base em 9 quesitos formais.
Ferramenta Prática (Checklist/Planilha): O conteúdo está associado a uma planilha gratuita que orienta no julgamento da qualidade da evidência e na força da recomendação (e ainda serve como checklist).
Script para Inteligência Artificial: fiz um script para a IA ChatGPT poder julgar o nível de evidência e o grau de recomendação. Embora a IA não deva substituir o julgamento humano final, ela facilita a compreensão e diminui a chance de erro humano, pois o script foi projetada para que a IA explique a razão das notas dadas a cada quesito.
E se você quiser ver o uso prático, passo a passo, da aplicação do meu livro, acesse o post: Polilaminina: NÃO há Evidência de Cura de Paraplégicos ou Tetraplégicos.
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Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) desde 2009.




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