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Musculação: Devo Usar Biomarcadores de Lesão Muscular?

  • Foto do escritor: Blog Prof. Wellington Lunz
    Blog Prof. Wellington Lunz
  • 11 de ago.
  • 8 min de leitura

Atualizado: 30 de out.

Resumo: a maioria sabe prescrever treino para hipertrofia na musculação. Mas o segredo do sucesso hipertrófico está em saber identificar quando se deve reestimular o músculo. Este é o último de 6 posts onde ensino quais são os MARCADORES que devemos usar para julgar se o músculo deve ser treinado novamente. Os marcadores bioquímicos são sugeridos com um deles, mas não os recomendo na musculação de não atletas.


biomarcadores sanguíneos de lesão muscular - creatina quinase

Esse é o último post sobre o tópico ‘quando treinar o músculo novamente’. Como eu disse no post ‘Aprenda a identificar o momento de treinar novamente’, eu uso 4 marcadores para decidir quando exercitar novamente (já fiz posts para todos eles: aqui, aqui, aqui e aqui).

Mas os ‘marcadores sanguíneos de lesão celular’ eu nem uso e nem recomendo como estratégia para essa tomada de decisão.

E se 'marcadores sanguíneos de lesão celular’ não devem ser usados, para que serve esse post? Respondo:

É para te mostrar que não há razão científica para usar marcadores sanguíneos de lesão celular no dia a dia do treinamento para hipertrofia muscular em espaços fitness habituais, como academias de musculação. Vamos à fundamentação:

Nas últimas décadas, houve grande interesse por marcadores bioquímicos de lesão muscular, com a pretensão de usá-los como ferramenta para orientar o ‘quando treinar novamente’.

Os principais são: creatina quinase (CK), mioglobina, cortisol, catecolaminas, marcadores do estresse oxidativo, lactato desidrogenase (LDH), transaminase glutâmico oxalacética (TGO), troponina I e interleucina-6.

Apesar do esforço científico, a maioria desses marcadores não alcança a condição de ‘alto grau de recomendação’ para o objetivo aqui descrito.

Muitos treinadores de atletas de alto rendimento têm usado principalmente a CK, que, creio, apesar das limitações, ainda é a melhor dentre as citadas.

A CK é uma enzima intracelular, com isoformas diferentes para, principalmente, os músculos esquelético e cardíaco, e o cérebro. Como a CK é intracelular, seu aparecimento no sangue indica extravasamento celular que, quase sempre, significa lesão celular (mas não toda lesão celular significa lesão do tecido contrátil... guarde isso!). 

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Nesse post irei tratar da isoforma muscular esquelética (CK-MB). As isoformas cardíaca e cerebral têm aplicações clínicas importantes, mas não têm relação com o treinamento físico de pessoas saudáveis.

O uso da CK como guia para o ‘quando treinar novamente’ parece útil na avaliação de atletas de alto rendimento e para o diagnóstico de rabdomiólise, mas não para praticantes recreacionais de academias. Vou explicar ponto a ponto:


Alta variabilidade intra e entre sujeitos

A CK, mas também outros marcadores bioquímicos, variam muito intra sujeito e entre sujeitos, a depender da composição corporal, sexo, idade, etnia, genética e do protocolo de exercício (tipo, intensidade e volume) (Warren et al., 1999; Byrne et al., 2004; Baird et al., 2012; Wernbom et al, 2020).

A classificação da CK tem sido mais ou menos assim: normal: até 200 U/L; miopatia: > 2000 U/L (há quem considere > 1000); rabdomiólise: > 10.000 U/L (há quem considere > 5.000 U/L).

Lembrando que rabdomiólise (degeneração severa da célula muscular) é algo muito sério, que pode causar danos renais permanentes e até morte. Já vi trabalho científico dizendo que 10% dos casos de rabdomiólise evoluem para a morte. É muita coisa! 

E, nesse caso, a CK é bastante útil como marcador. Entretanto, rabdomiólise não é algo que possamos normalizar no pós-treinamento de praticantes recreacionais de academia de musculação (não acho tolerável nem em atletas). De qualquer modo, uma dica prática importante:

‘Se até ≈72h pós uma sessão de esforço físico, você ou seu cliente perceber urina escura (tom marrom ou avermelhado), corra para o hospital e diga a/o médica(o) que ocorreu após um treino físico vigoroso.

Se você/cliente não disser que fez grande esforço físico, médicos/as poderão achar que é outra coisa. Se o(a) médico(a) não cogitar rabdomiólise, sugira com a questão: ‘Não poderia ser rabdomiólise?’, pois, se for rabdomiólise, é bem provável que a você/cliente fique internado, pois os rins (e até a vida) estarão em risco’.

Sobre esses valores de referência que citei acima, perceba que o normal fica abaixo de 200 U/L (geralmente 20 a 200). Mas já vi estudos mostrando alguns casos, obviamente raros, que chegaram a 150 mil e 300 mil U/L. E isso dá uma boa dimensão de como pode variar. E essa variação pode gerar muita confusão. 

É por isso que a CK, no âmbito do treinamento atlético, tem sido usada basicamente para o acompanhamento intra-sujeito. Pois, com o tempo, é possível entender melhor o que é normal ou anormal para cada pessoa.

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Fraca correlação entre marcadores séricos de lesão e perda de desempenho

Não há dúvida de que a perda de força muscular ocorre muito antes do aumento sérico ou plasmático de marcadores de lesão muscular, como a CK (Warren et al., 1999; Baird et al., 2012). 

Normalmente é fraca a correlação entre perda de força e marcadores diretos (Hesselink et al., 1996) ou indiretos (ex: CK e mioglobina) (Warren et al., 1999) do dano específico de tecido contrátil. Há estudo evidenciando que a perda de força muscular pode ocorrer mesmo sem qualquer lesão celular (Kano et al., 2008).

Aliás, algo intrigante e, ao mesmo tempo, praticamente consensual, é que o aumento da CK na corrente sanguínea costuma ocorrer só após ≈24h (Warren et al., 1999; Baird et al., 2012; Wernbom et al, 2020). Enquanto a perda de força, como já disse, é imediata após a sessão de exercício.  

Devemos lembrar que a força é produto da integração neuromuscular, de modo que não é somente o músculo que dita a produção de força. E deixo o convite para depois você ler esse meu post aqui, onde mostro como a correlação entre hipertrofia e força é bem mais fraca que a maioria pensa.

Nesse sentido, e principalmente amparado pelas evidências supramencionadas, marcadores de lesão celular, como a CK, não são úteis para relacionar desempenho físico a lesões celulares.

Fraca correlação entre marcadores séricos e danos do tecido contrátil

Ainda mais intrigante é que o aumento sérico ou plasmático de CK não reflete bem a extensão do real dano contrátil.

Como eu já disse, o aumento da CK na corrente sanguínea costuma ocorrer só depois de ≈24h (Warren et al., 1999; Baird et al., 2012; Wernbom et al, 2020). Mas a lógica nos leva a acreditar que as microlesões do tecido contrátil ocorram durante o estresse mecânico do exercício de força.

E, de fato, há evidência nesse sentido: medidas celulares feitas com microscopia eletrônica imediatamente após uma sessão de exercício evidenciam microlesões (Manfredi et al., 1991). Ou seja, muito antes do aumento de CK.

E não dá para argumentar que esse “atraso” seria devido a uma eventual grande distância entre miócitos e vasos sanguíneos, porque, em média, há mais que 2 capilares tocando cada fibra muscular (Latroche et al., 2015). Trata-se de uma irrigação sanguínea muito extensa no músculo.

Manfredi et al. (1991) também mostraram que uma sessão de treino excêntrica intensa gerou muito mais microlesões em pessoas mais velhas, quando comparadas a pessoas mais jovens, mas a resposta e cinética da CK ao longo de 10 dias não teve diferença importante entre mais velhos e jovens.

O esperado era que pessoas mais velhas tivessem muito mais CK no sangue, mas os autores não identificaram qualquer relação entre CK e microlesões.

Sendo mais pragmático: estudos envolvendo exercício físico e análises histológicas (Z‑line streaming e outros desarranjos) ou ensaios bioquímicos mostram resultados discrepantes: em alguns casos a histologia indica dano enquanto a CK sanguínea permanece praticamente inalterada; em outros, a CK aumenta muito, mas sem relação significativa com perda funcional.

Isso nos leva a inferir que marcadores bioquímicos são frequentemente não‑específicos e não capturam plenamente a complexidade do dano contrátil.

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Dissociação temporal entre marcadores de lesão e a decisão prática

Vários marcadores, em especial a CK, têm uma janela temporal que pode limitar a decisão prática.

A CK tende a atingir o pico entre 1–2 dias após a sessão, ou entre 4-6 dias se o treino for muito volumoso e/ou intenso. Mas não é raro termos clientes que treinam diariamente. Ou seja, nesses casos, a tomada de decisão teria que ocorrer antes da elevação da CK. Então, mesmo se a CK fosse bastante sensível e específca, muitas vezes não daria para depender do resultado dela.

Custo, logística e invasividade

Coleta de sangue e processamento do material coletado exigem invasividade tecidual (gera dor), tempo, cuidado na manipulação e uma infraestrutura que não é baratíssima. Seria inviável para a rotina das academias.

Efeito das sessões repetidas e perda de sensibilidade

As células musculares se adaptam (repeated‑bout effect ou efeito das sessões repetidas) com a repetição do estímulo físico. Após um tempo de treinamento, as respostas de marcadores de lesão, como a CK, tendem a diminuir.

Mas, considerando as respostas sensitivas e de desempenho (já abordadas nos posts anteriores), a pessoa poderia ter CK normal, mas não necessariamente estaria apta a treinar o músculo novamente.

Falta de valores de referência validados para decisões práticas

Não existem pontos de corte universalmente validados e aceitos que possam pragmaticamente indicar: ‘não treine hoje’, ou ‘reduza a carga’, ou ‘descanse mais n horas’.

Concluindo, ainda não temos marcadores bioquímicos eficientes e com elevado grau de recomendação para o dia a dia de exercícios em ambientes fitness, como academias ou estúdios de musculação.

Embora eu dei ênfase a CK, mas essa discussão vale para todos os marcadores bioquímicos estudados até o momento (exceto se eu tiver perdido alguma coisa).

Diante disso, o melhor a fazer na prática de prescrição do treinamento de força objetivando hipertrofia muscular é considerar os 4 marcadores que citei no post Aprenda a identificar o momento de treinar novamente.


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Então é isso, amiga e amigo... Obrigado por ler até aqui. E se você gostou, compartilhe com colegas e amigos/as ou em suas redes sociais. Meus posts são feitos exclusivamente das minhas leituras, práticas e interpretações ao longo da minha trajetória.

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Lunz, W. Devo usar biomarcadores de lesão muscular na MUSCULAÇÃO?. Ano: 2025. Link: https://www.wellingtonlunz.com.br/post/biomarcadores-de-lesao-muscular-na-musculação [Acessado em __.__.____].


Algumas questões e respostas resumidas relacionadas ao esse post:


O que é creatina quinase (CK) e para que serve na musculação?

A creatina quinase é uma enzima encontrada nos músculos, e seu aumento no sangue indica dano celular. Na musculação, já foi estudada como possível indicador de recuperação, mas não é prática nem confiável para o dia a dia.

A creatina quinase indica o momento certo de treinar novamente?

Não. A CK varia muito entre pessoas, demora para subir após o treino e tem fraca correlação com perda de força e com o real dano muscular.

Quando vale a pena medir CK?

Principalmente no diagnóstico de rabdomiólise, uma condição grave que pode causar lesão renal e morte.

Quais são os valores de referência da CK?

Geralmente até 200 U/L é considerado normal; acima de 2.000 U/L pode indicar miopatia; e acima de 5.000–10.000 U/L sugere rabdomiólise. Casos raros ultrapassam 150.000 U/L.

Por que não usar CK para ajustar treinos na academia?

Além de não prever bem o desempenho, exige coleta de sangue, tem custo, demanda infraestrutura e não possui valores de corte validados para indicar descanso ou carga.

Qual é a melhor forma de decidir quando treinar de novo?

Usar marcadores práticos e não invasivos, como os quatro já explicados na série de posts do blog Prof. Wellington Lunz (clique: Aprenda a identificar o momento de treinar novamente)





professor wellington lunz

Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Tem se dedicado em transmitir conhecimentos baseados em evidências em diferentes áreas do conhecimento (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site ou e-mail: welunz@gmail.com.br  





2 comentários

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Divo Zaniqueli
Divo Zaniqueli
13 de ago.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Sempre muito preciso e técnico.

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Blog Prof. Wellington Lunz
Blog Prof. Wellington Lunz
14 de ago.
Respondendo a

Muito grato, meu amigo!

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