No pain, no gain!? O mais correto seria 'no brain, no gain'.
- Blog Prof. Wellington Lunz
- 21 de mai.
- 6 min de leitura
Atualizado: há 7 dias

Prof. Dr. Wellington Lunz
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
No post Aprenda a identificar o momento de treinar novamente eu introduzi a importância de se compreender o momento certo de repetir o estímulo. Trata-se da coisa mais importante no treinamento para hipertrofia muscular.
E concluí o post dizendo que existem pelo menos 5 marcadores para essa tomada de decisão, e que eu uso e recomendo 4 deles. No post anterior eu falei do primeiro (desempenho recuperado) e agora falarei do segundo marcador: ausência de dor.
A dor, seja física ou psicológica, é um mecanismo fisiológico que invariavelmente motiva a ação de afastamento do agente causal. A dor é um componente fundamental para a preservação da vida.
Há uma doença genética rara chamada ‘insensibilidade congênita à dor e anidrose’ (CIPA), na qual o acometido não sente dor ou mudança da temperatura. Por causa disso, a maioria dessas pessoas não consegue chegar à vida adulta.
Essas pessoas podem, por exemplo, não perceber um ferimento grave ou uma fratura. Vários, por não sentirem dor, praticam comportamentos performáticos de alto risco, abreviando suas vidas.
Diante disso, já vai ficando estranha a ideia do ‘no pain, no gain’ (sem dor, sem ganho), tão amplamente difundida nos espaços fitness.
Há ainda pessoas, inclusive profissionais da área, que acreditam que treino bom é treino que causa dor.
Mas, além de não ter sentido (como mostrarei a seguir), não há qualquer evidência científica de que a dor seja necessária para se conseguir ganhos de massa muscular ou força.
Essa ideia de que a dor seria necessária para a hipertrofia muscular veio provavelmente da inferência de que microlesões seriam necessárias para hipertrofia muscular.
Ou seja, as microlesões causariam dor muscular e, por isso, a dor seria um bom indicativo.
Mas se realmente essa inferência se originou da crença de que microlesões seriam importantes para hipertrofia, então temos evidências mostrando que é o contrário. Depois, leia meu post Microlesões causam ou não causam hipertrofia muscular? para entender melhor. Mas também vou relembrar algumas coisas a seguir.
Essa inferência é sustentada por pensamentos muito rasos, os quais são facilmente contra-argumentados. Explico:
(1º) Não há receptores de dor (nociceptores) dentro da célula muscular, de modo que não dá para afirmar que as dores pós-treino (dor muscular tardia ou Delayed Onset Muscle Soreness – DOMS) sejam principalmente explicadas por microlesões intracelulares.
A crença principal é que a DOMS seja causada ou por microlesões no sarcolema e/ou tecido conjuntivo, ou por inflamação decorrente dessas lesões, ou por edema (que pressionaria nociceptores). Claro, pode até ser um pouco de cada. Os mecanismos continuam sob investigação.
Mas julgo improvável que a principal causa das dores sejam microlesões intracelulares.
(2º) Há evidência mostrando que é possível ganhar massa muscular sem marcadores de danos musculares e inflamação, tanto em modelo animal (Zanchi et al., 2010) quanto em humanos (Flann et al., 2011).
(3º) Há evidência (Damas et al., 2016) mostrando que microlesões intracelulares são prejudiciais à hipertrofia muscular. Isso porque as microlesões obrigam a maquinaria de síntese de proteínas a dedicar parte dos substratos para reparar o tecido lesado. Dessa forma, nem todos os aminoácidos são direcionados para a síntese de proteínas contráteis.
(4º) Um ferimento muscular não induz hipertrofia muscular, mas sim cicatrização caracterizada basicamente por deposição de tecido fibroso. Se lesões celulares gerassem hipertrofia muscular, por que um ferimento (corte) muscular não promove hipertrofia? Também podemos fazer o mesmo questionamento diante de patologias (ex: rabdomiólise) associadas a danos musculares, as quais não geram qualquer hipertrofia posterior.
(5º) Corredores de longa distância experienciam bastante microlesões celulares, mas, em termos de massa muscular, estão quase no extremo oposto dos fisioculturistas. Por que corredores não ganham muita massa muscular, apesar de tantas microlesões?
(6º) O exercício excêntrico causa muito mais microlesões celulares que o exercício concêntrico, mas a magnitude de hipertrofia muscular induzida por essas duas formas de treinamento é similar (Schoenfeld et al., 2017; Lopes da Silva et al., 2025). Leia depois meu post Qual é o melhor tipo de treino para hipertrofia? para entender melhor.
(7º) Depois de um certo tempo de treinamento, o praticante raramente sente dores nos dias seguintes. Apesar disso, continuam ganhando massa muscular. Isso está alinhado ao 2º e 3º item, e mostra que a dor não é necessária para hipertrofia muscular.
Tudo isso que apresentei até o momento permite inferir que não há razão para se treinar com dor. O mais sensato é deixar a musculatura se recuperar completamente da dor.
Isso não significa que treinar com dor não promoverá ganhos de hipertrofia, pois os mecanismos moleculares da hipertrofia não têm qualquer relação com nociceptores (leia depois: Quais os Mecanismos da Hipertrofia Muscular?). Ou seja, as duas coisas podem ocorrer ao mesmo tempo, pois são diferentes e independentes.
Por isso, quem treina no estilo ‘no pain, no gain’ também pode ganhar massa muscular, desde que conte com a sorte de não se lesionar no meio do caminho. Mas duvido que conseguirá mais hipertrofia comparado a treinar corretamente, que é treinar sem dor.
Treinar com dor não é eficiente, pois não gera qualquer vantagem e, muito provavelmente, nos coloca mais próximos de uma lesão.
Faz mais sentido acreditar na frase ‘no brain, no gain’ (sem cérebro, sem ganho), uma vez que o treinamento precisa ser feito inteligentemente e amparado em conhecimentos científicos sólidos. Uma lesão, dependendo do tipo e da gravidade, pode incapacitar o praticante para o resto da vida.
Por último, a dor não pode ser o único parâmetro para a tomada de decisão sobre quando dar um novo estímulo no músculo, exatamente pelo que citei no 7º item da lista previamente apresentada.
A dor é um marcador melhor para pessoas menos treinadas. Para pessoas muito experientes em treinamento de força, precisamos adicionar outros parâmetros, pois essas pessoas raramente sentem dores.
É mais comum que essas pessoas possam se sentir fadigadas, fracas ou sem vigor após uma sessão de treino, mas não necessariamente sentem dores.
Esses outros parâmetros que devemos usar para decidir quando retreinar estão descritos no post Aprenda a identificar o momento de treinar novamente. Leia lá para entender.
Então é isso, amiga e amigo... Obrigado por ler até aqui. E se você gostou, compartilhe com colegas e amigos/as ou em suas redes sociais. E quem quiser receber as novas postagens deste Blog, basta clicar aqui para se inscrever na Newsletter.
E, como habitual, em tempos de escritas por inteligência artificial (ex: chatGPT, DeepSeek e Gemini), vale dizer que essa postagem não usa isso... é feita exclusivamente das minhas leituras e interpretações ao longo da minha trajetória.
Lunz, W. No pain, no gain!? O mais correto seria 'no brain, no gain'. Ano: 2025. Link: https://www.wellingtonlunz.com.br/post/no-pain-no-gain-e-certo-ou-errado [Acessado em __.__.____].
Agora um resumo de questões e respostas relacionadas a esse post:
Treinar com dor muscular tardia (DOMS) é aceitável?
Não há qualquer evidência que mostre que treinar com dor seja positivo para qualquer coisa. A dor, seja física ou psicológica, é um mecanismo fisiológico que invariavelmente motiva a ação de se afastar do agente causal. A dor é um componente fundamental para a preservação da vida. E, no âmbito da hipertrofia muscular, há evidência de que danos musculares (causa mais provável das dores) prejudicam os ganhos de massa muscular.
Há pessoas que não sentem dor?
Sim. Há uma doença genética rara chamada ‘insensibilidade congênita à dor e anidrose’ (CIPA), na qual o acometido não sente dor ou mudança da temperatura. Por causa disso, a maioria dessas pessoas não consegue chegar à vida adulta.
Há necessidade de sentir dor para obter hipertrofia muscular?
Não há qualquer evidência de que a dor seja necessária para se conseguir ganhos de massa muscular ou força. As evidências sugerem o oposto, pois: (1) é possível ganhar massa muscular sem sentir dor e sem marcadores de dano muscular; (2) danos musculares, que seriam a causa das dores, prejudicam o aumento de massa muscular; (3) corredores de longa distância experienciam bastante microlesões celulares, mas pouca hipertrofia; (4) treinamento com ações excêntricas causa mais microlesões que treinamento com ações concêntricas, mas magnitude de hipertrofia similar.
Devo treinar com dor?
Não. Treinar com dor não produz qualquer benefício, além de, muito provavelmente, aumentar a chance de lesão.
A dor induzida pelo treino impede o ganho de massa muscular?
Não se pode afirmar que a dor impeça completamente os ganhos de massa muscular induzidos pelo treinamento, porque os mecanismos moleculares da hipertrofia não têm relação com os nociceptores. Ou seja, as duas coisas podem ocorrer ao mesmo tempo. Por isso, quem treina no estilo ‘no pain, no gain’ até pode ganhar massa muscular, desde que conte com a sorte de não se lesionar no meio do caminho. Mas, certamente, a estratégia de treinar com dor não promoverá mais hipertrofia muscular comparado a treinar corretamente, que é treinar sem dor.
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Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Tem se dedicado em transmitir conhecimentos baseados em evidências em diferentes áreas do conhecimento (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site ou e-mail: welunz@gmail.com.br
Como sempre, preciso e ponderado.