Quando Treinar o Músculo Novamente? Considere a 'Recuperação Percebida'
- Blog Prof. Wellington Lunz

- 15 de jul.
- 11 min de leitura
Atualizado: 30 de out.
Resumo: a maioria sabe prescrever treino para hipertrofia. Mas isso não garante o sucesso hipertrófico. O segredo do sucesso hipertrófico está em saber identificar quando se deve reestimular o músculo. Este é o quinto de 6 posts onde ensino quais são os MARCADORES que devemos usar para julgar se o músculo deve ser treinado novamente. Um desses marcadores é a 'Recuperação Percebida'.

No post Aprenda a identificar o momento de treinar novamente eu introduzi a importância de se compreender o momento certo de treinar novamente. Trata-se da coisa mais importante no treinamento para hipertrofia muscular.
Concluí aquele post dizendo que existem pelo menos 5 marcadores para essa tomada de decisão, mas que eu uso 4 deles.
Falarei hoje exatamente do quarto marcador: 'status da recuperação percebida'. Os posts dos três primeiros marcadores você encontra aqui, aqui e aqui.
O uso de escalas analógicas (ex: '0 a 10' ou '0 a 100') tem sido muito usual para medidas psicométricas, no intuito de entregar alguma objetividade em parâmetros subjetivos e, frequentemente, multi-influenciados.
A escala de percepção de esforço de Borg, proposta por Gunnar Borg, é uma dessas. Outra escala, derivada da escala de Borg, é a de OMNI. Há também escala analógica de dor, com medidas entre 0 e 10.
Ninguém questiona o fato de o esforço físico ser mentalmente percebido, e que essa relação é ascendente: quanto mais intenso o exercício, maior é o esforço percebido.
Partindo-se dessa lógica, embora não seja ausente de críticas, passou-se também a se medir subjetivamente a prontidão do corpo para treinar.
Há inclusive quem há tempos (Kiely, 2012) defende firmemente que em vez de se usar as clássicas periodizações de treino (ex: linear, ondulatória, etc.), a progressão do treino deveria se concentrar basicamente nas capacidades responsivas (ex: desempenho físico) e sensitivas (ex: percepção da recuperação).
Ou seja, considerando-se uma escala de percepção da recuperação de 0 a 10, onde 0 seria 'nada recuperado' e 10 seria 'totalmente recuperado', pode-se inferir a prontidão para treinar novamente.
É o que Laurent et al. testaram em 2011, embora não no âmbito da hipertrofia ou treinamento de força. Veja:

Os participantes realizaram quatro sessões de sprints intermitentes de alta intensidade, separadas por 24, 48 e 72h de recuperação.
Antes de cada nova sessão de sprint, os participantes indicavam seu nível de recuperação, usando uma escala de percepção da recuperação de 0 a 10.
Os autores encontraram correlação indicando que níveis mais baixos de recuperação percebida estavam associados a um pior desempenho. E níveis mais altos de recuperação percebida estavam associados a um melhor desempenho.
De modo geral, participantes com percepção da recuperação > 5 tiveram maior probabilidade de melhorar seu desempenho, enquanto < 5 esteve associado a um desempenho pior.
A escala permitiu prever o desempenho subsequente em cerca de 80% dos casos.
Esse resultado indica que nós temos razoável capacidade de perceber se estamos ou não recuperados.
Ahtiainen et al., também em 2011, viram que a curva de comportamento da ‘percepção subjetiva da recuperação da prontidão’ para treinar foi similar ao comportamento da recuperação da força.
Ou seja, após uma sessão de treino, o desempenho de força diminui e vai se recuperando nos dias seguintes. O mesmo acontece com a percepção da prontidão para treinar.
A diferença foi na cinética, pois a percepção da prontidão precisou de mais tempo para se recuperar.
Como a cinética não é exatamente igual, fica a dúvida qual seria o melhor marcador para retreinar: recuperação da força (como expliquei aqui) ou a percepção subjetiva da prontidão?
Posso antecipar que ainda precisamos de mais estudos relacionados ao treinamento para hipertrofia muscular, pois o desfecho hipertrofia tem causa multifatorial.
Ainda que não seja uma ferramenta com evidências diretas para o âmbito do treinamento de hipertrofia muscular, mas considerando que é simples, rápida e não invasiva, interpreto que devemos colocar a 'percepção subjetiva da recuperação' na caixa de ferramentas de monitorização da recuperação.
Mas, claro, essa inferência não é só um 'eu acho'. Há certa base científica para essa minha sugestão, ainda que limitada. Um estudo muito interessante, que mereceria um post só para ele, é o de Gomes et al. (2022).
Já antecipo a interpretação desse estudo: 'se você considerar só os resultados estatísticos, a percepção de esforço é tão boa quanto a progressão fixa. Mas se você considerar o tamanho de efeito, aí pode ficar na dúvida'. Vou resumir o estudo:
Eles investigaram duas condições: um grupo de participantes que treinou com uma progressão fixa (grupo PP) e outro grupo que treinou com progressão determinada pela percepção de esforço (0 a 10) (grupo RPE). A frequência de treino era sempre de duas vezes semanais.
O grupo PP treinou da seguinte forma:
2 séries de 12-15RM nas semanas 1 e 2 (protocolo A);
4 séries de 8-10RM nas semanas 3 e 4 (protocolo B);
6 séries de 4-6 nas semanas 5 e 6 (protocolo C).
Ou seja, a carga de treino progrediu de forma pré-estabelecida.
A progressão do grupo RPE dependia da percepção de esforço:
Se a percepção de esforço do participante fosse ≤5, eles aumentavam a carga de treino (do protocolo A para o B; ou do B para o C).
Se a percepção de esforço fosse 6–8, eles mantinham a carga do treino (mesmo protocolo).
Se a percepção de esforço fosse ≥9 em duas sessões seguidas, reduziriam a carga de treino (mas essa não chegou a acontecer).
Uma diferença da maioria dos estudos é que eles mediram a percepção de esforço logo após cada treino, e não antes de iniciar ou durante a sessão. Eles investigaram pessoas bem treinadas (4,8 a 6,1 anos de experiência). Mas a duração da intervenção foi curta (6 semanas).
Ao final do estudo, os ganhos de força e hipertrofia foram estatisticamente similares nos dois grupos. Os resultados médios para hipertrofia são descritos no resumo (RPE = 6,5 vs. PP = 9,6).
Embora sem diferença estatística, foi numericamente maior para o grupo PP. E isso está bem refletido no tamanho de efeito de 0,49.
Mas há uma coisa bem interessante que merece destaque adicional: o grupo RPE tendeu a fazer um volume de treino menor.
Isso ficou mais evidente e interessante quando eles analisaram um subgrupo do grupo RPE (chamado sub-REP), no qual 6 dos 10 (60%) participantes não progrediram durante as 6 semanas. Ou seja, 6 participantes mantiveram o protocolo A (2 séries de 12–15RM) durante as 6 semanas de treino, pois sempre julgaram a percepção na faixa que mantinha a carga de treino.
E apesar de realizarem um volume de treino menor (~14%) e não terem progredido no treino, eles tiveram ganhos de força e hipertrofia similares ao grupo com progressão.
O que ficou claro é que o uso da RPE para gerenciar a progressão do treino permite obter ganhos significativos de hipertrofia. É algo que funciona.
Entretanto, embora não houve diferença estatística, o tamanho de efeito de 0,49 (efeito moderado) a favor da progressão fixa deixa dúvida se progredir pela RPE seria realmente melhor.
Por outro lado, para o desfecho 'força muscular' o resultado numérico foi levemente maior para o RPE (RPE = 9,7 vs. PP = 9,2). Portanto, para força muscular não há dúvida: a RPE funciona de igual para melhor.
Mas os resultados revelam ainda duas outras coisas intrigantes:
1ª) Um protocolo com volume tão pequeno (somente 4 séries semanais, como ocorreu no sub-grupo RPE) conseguiu promover ganhos significativos de força e hipertrofia em pessoas treinadas (aproveito para te convidar a, depois, ler meu post que fala sobre dose mínima para hipertrofia muscular);
2ª) Ainda mais intrigante é que não houve necessidade de aumentar o volume de treino para promover hipertrofia muscular. Ainda que o grupo PP tenha tido resultados numericamente maiores de área de secção transversa, o estudo demonstra que é possível ganhar massa muscular "sem" progredir a carga de treino (pelo menos até 6 semanas).
Esse resultado coloca em xeque a crença de que temos que frequentemente aumentar a carga de treino. Aparentemente, até 6 semanas "não" precisaria aumentar a carga de treino.
Alías, por quanto tempo podemos treinar com a mesma carga de treino e ainda assim ter ganhos de hipertrofia?
Ainda pretendo escrever sobre isso, mas já antecipo: são raríssimos os estudos que investigaram esse problema.
Mesmo nesse estudo de Gomes et al. (2022), no subgrupo de 6 pessoas, que manteve o protocolo A, pode ter ocorrido um leve aumento do volume, pois os participantes tinham que ficar sempre entre 12-15 RM.
Por isso que previamente escrevi as palavras "sem" e "não" com as devidas aspas. Ou seja, pode ter ocorrido um leve aumento da carga para mantê-los dentro das 12-15 RM.
Como o aumento da carga impõe mais estresse miotendineoarticular, trata-se de um resultado muito interessante, pois mostra que usar a RPE induz bons resultados com menos estresse.
Mas volto agora ao estudo de Laurent et al. Embora não foi feito no âmbito do treinamento de força e hipertrofia, é provável que funcione, pois se alinha com resultados que temos no âmbito do treinamento de força.
Sikorski et al. (2013), por exemplo, encontraram ótima correlação (r = -0,76, p<0,05) entre a percepção da recuperação e a concentração de creatina quinase (o mais clássico marcador de lesão celular) após 48h da sessão de treino.
Ainda carecemos de estudos que confirmem ou refutem se, para um treino de hipertrofia eficiente, é realmente necessário treinar sempre acima da escala 5 proposta por Laurent et al, ou se o ponto de corte possa ser diferente.
Recentemente, Barsuhn et al. (2025) mostraram que uma elevada progressão do volume (até 60%) não alterou a percepção de recuperação quando comparado ao grupo que não teve mudança no volume de treino.
Isso indica que mesmo um grande aumento do volume pode não afetar expressivamente a percepção da recuperação.
De qualquer forma, os resultados do estudo de Barsuhn et al. (2025) para hipertrofia não diferiram entre o grupo que manteve o volume vs. os grupos que tiveram volume aumentado em 30% ou 60%.
Então, esse estudo não pode ser usado para descartar o uso da percepção da recuperação.
Só daria para duvidar da eficácia da percepção da recuperação se os resultados de hipertrofia tivessem sido diferentes entre os grupos. Seja como for, mais estudos são necessários.
Por ora, mais intuitiva que cientificamente falando, eu uso a escala de percepção de recuperação como estratégia para decidir se irei treinar ou se adiarei o treino. Não é a única ferramenta que uso. É uma ferramenta complementar.
Há dias que percebo que meu corpo não está com disposição para treinar. Nesses dias, a percepção de recuperação costuma ser baixa. Tenho respeitado essa sinalização do corpo.
Mas, em não havendo dores e nem amplitude articular reduzida, pode-se ir ao espaço de treinamento para confirmar se o corpo está recuperado, fazendo os exercícios de sondagem que sinalizei em post anterior (aqui).
Ainda sobre o uso da percepção como ferramenta, há quem sugira outras formas de uso dessa percepção:
Por exemplo, McNamara & Stearne (2010) investigaram efeitos na força e potência muscular de dois programas de treinamento:
Um chamado de periodização não linear flexível (FNL) e o outro de periodização não linear tradicional (NL).
O protocolo de treinamento foi igual, exceto pelo fato de que o grupo NL treinava sempre numa intensidade com ordem pré-estabelecida: 10RM, ou 15RM, ou 20RM.
Já o grupo FNL podia escolher com qual intensidade treinar na sessão (ou seja, 10RM ou 15RM ou 20RM). Essa decisão era baseada no estado físico/psicológico.
O estudo evidenciou ganhos de força no leg press bem superiores para o grupo FNL, mas sem diferença de força no supino e num teste de salto (potência).
Mas uma crítica ao estudo é que, na verdade, o grupo FNL não tinha tanta liberdade assim, pois, para garantir o mesmo volume de treino, em algumas sessões os pesquisadores definiam a intensidade.
Colquhoun et al (2017) também compararam essa periodização ondulatória flexível, proposta por McNamara & Stearne (2010), em pessoas treinadas.
Mas o resultado para o desempenho de força, bem como motivação e satisfação para o treino, não foi diferente do obtido com uma periodização ondulatória. Ambos promoveram ótimos resultados.
A estratégia usada por McNamara & Stearne (2010) tem sido chamada de 'autorregulação do treino' ou 'treino com autorregulação' (Greig et al., 2020).
Ou seja, trata-se de um sistema de ajuste dinâmico e individualizado do treino, baseado no desempenho ou na percepção da capacidade de desempenho (Greig et al., 2020).
Esses ajustes podem ser feitos antes, durante ou após a sessão. Ou, embora menos comum, até mesmo ao longo do programa de treino.
Greig et al. (2020) sugerem que a autorregulação poderia:
(1) melhorar a aderência ao treino, porque aumentaria a autonomia e sensação de controle do praticante;
(2) reduzir o risco de overtraining, por adaptar o estímulo à condição real do praticante;
(3) melhorar o desempenho, por alinhar o estímulo com a capacidade real do momento.
Mas esses mesmos autores reconhecem que as evidências ainda são limitadas e inconsistentes, especialmente em atletas. A percepção de recuperação pode refletir mais flutuações de humor ou motivação do que a real capacidade física.
Pode também induzir comportamentos compensatórios, como 'escolher treinos fáceis demais'. De fato, sobre essa última ponderação (comportamentos compensatórios), me lembro de ter lido um estudo que evidenciou exatamente isso. Ou seja, as pessoas optavam por cargas mais leves.
Mas, se as reps forem máximas ou perto do máximo, certamente a autorregulação não irá prejudicar os resultados de hipertrofia. Isso ficará mais claro quando, no futuro, eu falar aqui no Blog sobre número de reps para hipertrofia muscular.
Considerando tudo isso, dá para afirmar que a estratégia baseada na percepção de recuperação ou percepção de esforço gera, no mínimo, resultados similares a outras estratégias. Podendo ser mais eficiente, pois pode promover resultados similares com volume de treino menor (menos tempo de exposição = menor risco).
Como também há estudos que sugerem que usar a percepção de recuperação ou de esforço possa até promover resultados melhores, então penso que usar tal ferramenta no processo decisório do 'quando retreinar' é algo que vale a pena.
Então é isso, amiga e amigo... Obrigado por ler até aqui. E se você gostou, compartilhe com colegas e amigos/as ou em suas redes sociais.
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E, como habitual, em tempos de escritas por inteligência artificial (IA), vale dizer que essa postagem não usa IA... é feita exclusivamente das minhas leituras, práticas e interpretações ao longo da minha trajetória.
Lunz, W. Quando Treinar o Músculo Novamente? Considere a 'Recuperação Percebida'. Ano: 2025. Link: https://www.wellingtonlunz.com.br/post/status-da-recuperaçao-percebida [Acessado em __.__.____].
Algumas questões e respostas resumidas relacionadas ao esse post:
A 'percepção da recuperação' e 'percepção de esforço' são úteis para monitorar o treino?
A estratégia baseada na percepção de recuperação ou de esforço gera resultados iguais ou superiores a outras estratégias. Podendo ainda ser mais eficiente, pois promove resultados similares com volume de treino menor (menos tempo de exposição = menor risco). Portanto, é uma ferramenta útil no processo decisório do 'quando retreinar'.
O que é 'autorregulação do treino' ou 'treino com autorregulação'?
Trata-se de um sistema de ajuste dinâmico e individualizado do treino, baseado no desempenho e/ou percepção da capacidade de desempenho. Há sugestões de que a autorregulação melhora a aderência ao treino, reduz o risco de overtraining e melhora o desempenho. Mas as evidências ainda são limitadas e inconsistentes, especialmente em atletas.
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Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Tem se dedicado em transmitir conhecimentos baseados em evidências em diferentes áreas do conhecimento (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site ou e-mail: welunz@gmail.com.br





Como de costume, um desafio ao senso comum. A maioria busca modelos e repostas prontas. De fato não há; e ainda bem, pois é isso que não permite que sejamos prescindíveis.