Qual é a Causa da Obesidade? O Modelo Carboidrato-Insulina Poderia Explicar?
- Blog Prof. Wellington Lunz

- 20 de set. de 2021
- 8 min de leitura
Atualizado: 25 de nov.
Resumo: a tese clássica de explicação da obesidade é amparada pelo modelo do balanço energético (MBE) — ou seja, engordamos porque ingerimos mais calorias do que gastamos. Mas esse modelo ignora mecanismos biológicos e metabólicos, transferindo injustamente a culpa para a pessoa obesa. Há quem defenda uma alternativa, conhecida como modelo carboidrato-insulina (MCI), a qual propõe que a qualidade das calorias (e não somente a quantidade) seja mais determinante. Não se trata da teoria mais aceita, mas ela ajuda certamente a desestigmatizar a obesidade, sugerindo que ela seja mais fruto de mecanismos biológicos do que “falta de força de vontade” da pessoa obesa.

Prof. Dr. Wellington Lunz - Universidade Federal do Espírito Santo
A tese vigente é que a pandemia de obesidade tenha como causa o consumo excessivo de alimentos modernos (ex: processados), altamente palatáveis e com alta densidade energética. Isso é agravado pelo sedentarismo.
O nome desse paradigma clássico é "modelo do balanço energético" (MBE). Recomendo a leitura desse artigo, que me serviu de base para essa postagem.
Mas esse modelo "físico-matemático", onde calorias teriam sempre o mesmo efeito, independente da fonte, sofre críticas. As principais são desconsiderar os mecanismos biológicos que regulam o ganho de peso, e, ainda que de forma não intencional, lançar a culpa à "pessoa" obesa.
Ou seja, no MBE "só é obeso quem não controla a consciência alimentar". É a simplificação do complexo.
De fato, esse modelo é bastante problemático. Fiz um outro post, intitulado O Que EMAGRECE é o Músculo, Estúpido!, onde cito vários estudos que mostram que essa matemática não bate nada bem. Mas, antecipo, que o modelo que descreverei abaixo não resolve (e nem tenta resolver) exatamente esse problema.
E esse modelo, que é uma alternativa ao modelo do balanço energético, é o chamado "modelo carboidrato-insulina" (MCI).
Para o MCI, o problema não está relacionado a consciência da "pessoa" obesa. Isso porque as respostas hormonais e metabólicas dependem das fontes das calorias dietéticas (ou seja, qualidade da fonte), e não meramente das calorias.
O MCI não nega que a alta ingestão energética seja um problema, mas entende que a culpa da alta ingestão é mais biológica e metabólica que de decisões conscientes.

O MCI considera que a alta deposição de gordura é resultado de respostas orgânicas à uma dieta de alta carga glicêmica.
A alimentação rica em carboidratos simples faria com que o organismo impulsionasse o balanço energético positivo. Esse padrão alimentar geraria uma reprogramação metabo-hormonal (uma nova homeostase), que induziria mais fome e desejos por alimentos similares.
Então entra-se num ciclo vicioso: "desejo-comer-desejo-comer(...)". E, sobre isso, a dieta com alta carga glicêmica teria papel central.
Essa reprogramação poderia até mesmo alterar a palatabilidade, uma vez que a palatabilidade não é fixa, e pode ser "aprendida".
Para esse modelo, o balanço energético positivo não seria a causa da obesidade no longo prazo, pois, considerando uma homeostase sadia, haveria sempre mecanismos contrarreguladores para impedir o ganho de peso.
Quando pensamos nessa contrarregulação, a primeira coisa que vem à mente é o hipotálamo. Mas parece que a coisa vai bastante além disso:
Por exemplo, ao se anular o receptor de insulina de células adiposas de ratos, verificou-se menor ganho de peso gordo, apesar do consumo de energia ter sido similar ao grupo controle.
E, em outro experimento, o tratamento com insulina gerou maior ganho de massa adiposa que no grupo controle, apesar de, novamente, consumo similar de energia. Esse tratamento também reduziu o gasto energético.
E coisas ainda mais simples já foram investigadas e confirmadas. Por exemplo, ratos e macacos que consumiram dieta com alto índice glicêmico (IG) ganharam mais peso gordo comparado àqueles com dieta de baixo IG. Mesmo com ambos os grupos (alto vs. baixo IG) tendo consumido a mesma quantidade de energia. Esses efeitos parecem mais evidentes em estudos de longo prazo.
Obesidade não é o que mais estudo, mas fiz um post bem interessante sobre um estudo estudo que, surpreendentemente, evidenciou que o grupo que comeu mais calorias e proteínas (>3,4 g/kg/dia) foi o único que perdeu gordura (~1,7 kg), mesmo tendo ingerido ~500 kcal a mais que o grupo de comparação.
Esse estudo também envolveu exercício de força. O post é o seguinte: Como EMAGRECER Comendo Mais Calorias?
Para problemas associados à obesidade e alimentação, indico sempre o Instituto Afficere (banner abaixo)
E, segundo Ludwig et al. (2021), outras coisas intrigantes ocorrem com humanos. Por exemplo, tumores pancreáticos que secretam insulina podem causar ganho de peso, mas os que secretam glucagon causam perda de peso.
E, classicamente, há ainda as evidências dos camundongos ob/ob, que aumentam significativamente a adiposidade, mesmo com restrição de energia para evitar o ganho de peso excessivo.
Sabe-se que a insulinemia aumenta a fome, aparentemente por reduzir a quantidade de substratos no sangue. E essa fome (e apetite) é mais inclinada para alimentos com alto IG.
E, também, a redução da oxidação de substratos energéticos parece capaz de aumentar a fome. Ou seja, ainda que o hipotálamo seja um grande regulador, o que acontece fisiologicamente na periferia corporal pode ser bastante importante.
Ludwig et al. (2021) ressaltam que durante a puberdade o consumo energético pode superar o gasto energético, sem que provoque sobrepeso. Então, questionam: "É o consumo que promove o crescimento corporal, ou é a necessidade de crescimento que comanda a maior ingestão?"
A provocação é interessante, pois temos que refletir sobre o que exatamente nos faz ingerir mais. E será que somos todos capazes de dominar esse drive inconsciente?
Isso tudo aponta que a qualidade da fonte calórica poderia ser mais importante que a quantidade calórica.
No artigo base, eles apresentam uma figura que ilustra a complexidade disso, e como esse ciclo poderia gerar uma nova homeostase. Vou tentar resumir a ideia principal da figura:
(1) A rápida absorção de glicose após o consumo de uma dieta com alto IG aumenta a secreção de insulina, e suprime a secreção de glucagon. Também aumenta o polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP), que é um hormônio bastante importante na regulação da secreção de insulina.
(2) Nas primeiras horas após se alimentar, esse estado altamente anabólico promove uma ávida absorção de glicose pelos músculos, fígado e tecido adiposo, e estimula a lipogênese no fígado e tecido adiposo. Com a insulinemia persistente, a sensibilidade à insulina torna-se maior no tecido adiposo, e menor (resistência à insulina) em outros tecidos (ex: músculo).
(3) Três horas depois de se alimentar, a maioria dos nutrientes de uma refeição com alto IG terá sido absorvida. No entanto, essas ações anabólicas irão reduzir a quantidade de substratos energéticos na corrente sanguínea. Podendo ficar em níveis inferiores ao estado de jejum.
(4) Com isso, o cérebro entende que tecidos críticos (ex: fígado, cérebro) estão privados de energia, e reage com contrarregulação hormonal, sinalização de fome e desejo por alimentos com alto IG, para tentar restabelecer o equilíbrio no sangue. Entra-se num ciclo vicioso, que conduzirá a uma reprogramação metabo-hormonal e balanço energético positivo.
(5) Com à diminuição de substratos no sangue, o dispêndio energético também pode diminuir, devido alterações de vias termogênicas (ex: redução de células adiposas marrom em relação as brancas) e hormonais (ex: tireóide, vias autonômicas).
Sempre importante destacar que se trata de uma teoria. Mas se o MIC estiver correto, uma estratégia consciente para produzir um balanço energético negativo pode falhar para muitas pessoas.
Os autores também chamam a atenção para o fato de que seria algo de longo prazo. Embora temos hoje uma sociedade com ~10 a 15 kg a mais de peso comparado a 1970, isso não ocorreu de uma hora para outra. Nos últimos ~50 anos, o aumento estimado de gordura foi menor que 1 grama por dia.
O MIC teoriza que ao reduzir o impulso anabólico com uma dieta de baixo IG, as pessoas podem sentir menos fome e melhorar o controle do nível de energia, promovendo perda de peso espontânea, sem necessidade do controle consciente.
Mas, como é natural na ciência, há críticas ao modelo. Também quero destacar que, de minha parte, isso não tem a ver com a moda 'low-carb'.
Digo isso porque eu não tenho estudado nada sobre 'low-carb', de modo que se houver alguma coincidência entre o que estou escrevendo aqui e essa moda, não é intencional.
O que particularmente percebo ainda como lacuna no MIC é a relação dessa estratégia com o microbioma intestinal, modificações epigenéticas e com o exercício físico (minha praia!).
No post O Que EMAGRECE é o Músculo, Estúpido! dei uma boa dimensão da importância de se aumentar a massa muscular para criar resistência à obesidade. E uma hipótese (não a única) seria exatamente pelo fato do músculo ser um grande captador de glicose.
Mas sabemos que dietas com restrição severa de carboidratos podem tanto diminuir o desempenho físico como aumentar a chance de overtraining.
Mas, claro, os autores não falam aqui de dieta com grande restrição de carboidratos, mas principalmente de melhor escolha dos carboidratos, para impedir essa cascata que enumerei acima (de 1 a 5).
Eu sempre insisto que dominar conhecimentos e estratégias relacionadas a nutrição revoluciona os resultados do treinamento físico. Fora a economia, pois nunca vi tanta gente jogar dinheiro fora, como, por exemplo, com suplementos sem efeitos.
Sobre essa história de suplementos, já escrevi alguns posts que merecem ser lidos, caso você tenha apreço pelo seu dinheiro:
Para finalizar, eu tenho uma experiência interessante, e é uma das razões para eu ter compartilhado essa história com você.
Sempre que eu como um "pão francês" (alto IG), pouquíssimo tempo depois estou com fome novamente. O mesmo ocorre com várias frutas (embora nesse caso temos a frutose envolvida, que é outro tema amplo). Mas essa ideia do "pãozinho" se encaixa bem no MIC.
Com as ressalvas de que o MIC é uma teoria, recomendo que você compartilhe esse texto com pessoas que eventualmente se sentem culpadas pelo próprio peso corporal. Conhece alguém?
Reforço que o Instituto Afficere tem uma nutricionista especialista em obesidade, com doutorado em cirurgia bariátrica. E ela é a última pessoa a desejar a bariátrica, porque ela sabe que é verdadeiramente possível emagrecer com educação psico-sócio-alimentar.
E aproveito para divulgar meu livro Tomada de Decisão Baseada em Evidência: como julgar o nível de confiança e o grau de recomendação de artigos científicos na área das ciências da saúde.
Em tempos de desinformação massiva e de tantos falsos experts, distinguir evidências reais das falsas é tanto emancipador quanto vital. Esse livro ensina a julgar a qualidade da evidência e a força da recomendação de qualquer artigo científico da área da saúde.
O livro oferece um sistema estruturado e didático, com:

Modelo de Julgamento: um sistema quantitativo de notas (0 a 100%) em paralelo a um sistema qualitativo (muito baixo, baixo, moderado, alto e muito alto).
Separação Estruturada: um framework claro para avaliar o nível de evidência com base em 13 quesitos metodológicos, e o grau de recomendação com base em 9 quesitos formais.
Ferramenta Prática (Checklist/Planilha): O conteúdo está associado a uma planilha gratuita que orienta no julgamento da qualidade da evidência e na força da recomendação (e ainda serve como checklist).
Script para Inteligência Artificial: fiz um script para a IA ChatGPT poder julgar o nível de evidência e o grau de recomendação. Embora a IA não deva substituir o julgamento humano final, ela facilita a compreensão e diminui a chance de erro humano, pois o script foi projetada para que a IA explique a razão das notas dadas a cada quesito.
E se você quiser ver o uso prático, passo a passo, da aplicação do meu livro, acesse o post: Polilaminina: NÃO há Evidência de Cura de Paraplégicos ou Tetraplégicos.
E para mais posts, acesse https://www.wellingtonlunz.com.br/blog. Você também pode se inscrever na Newsletter para receber novos posts.
Até o próximo post!

Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. É Professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) desde 2009.





Comentários